Ícone da música romântica brasileira deu na quinta-feira o primeiro de dois concertos na capital, numa tour que chega a Braga no domingo. Roberto Carlos trouxe mais de 20 temas e duas horas de espetáculo, cantou “Coimbra” e terminou a atirar flores ao público.
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Há meses, aquando do seu 83.º aniversário em abril deste ano, escrevia-se na imprensa brasileira como Roberto Carlos era um “indecifrável milagre”, ao ponto de motivar livros, e até teses, sobre o verdadeiro, e duradouro, fenómeno de popularidade em seu redor. Não é só no Brasil: um pouco por toda a comunidade latina, muito em Portugal, sempre que há concertos ou tours do “rei” da música romântica, os bilhetes vendem-se rapidamente, fazem-se pequenas excursões, ensaiam-se os coros e adivinham-se os temas.
Foi assim este ano, na mais recente digressão do cantor, cuja fase europeia começou nos Açores e que passa agora por Lisboa e Braga: 40 mil bilhetes foram vendidos para as datas portuguesas, adiantava ontem fonte da organização ao JN. E foi esse o ambiente, o fenómeno, palpável, que encheu a Meo Arena nesta quinta-feira, para a primeira de duas noites na capital: a dose repete sexta-feira e Braga acolhe o artista nos dias 6 e 7.
Pelas 21:20 horas, era com ansiedade que uma Meo Arena cheia, composta por pessoas de variadas faixas etárias- muitas, próximas da do cantor, mas muitas bem mais novas, gerações e gerações – aguardavam a sua chegada. Quando ela se anunciou, no impasse entre as luzes se apagarem e a banda começar, já com aplausos se gritava “Roberto, Roberto” ou “amo-te Roberto”.
Na entrada conduzida pelo maestro Eduardo Lages, um medley instrumental introdutório e com coro, no público já se cantavam os refrões, mesmo sem Roberto em palco. Nos ecrãs gigantes, passavam imagens da vida e carreira do artista, desde muito novo, com legendas a fazer uma resenha da sua longa e prolifera carreira. A apresentar o Roberto Carlos compositor de mais de 500 canções, o movimento Jovem Guarda que liderou, o vencedor de inúmeros prémios, o ator, o artista que editou um álbum por ano, durante quase 50 anos.
Assim que entra em palco, todo vestido de branco, o cantor recebe a primeira ovação de pé (a plateia também era sentada), mas não seria a única. "Emoções" foi o primeiro tema, adequado ao ambiente vivido. “Quero dizer uma coisa para vocês: quando eu estou aqui eu vivo esse momento lindo”, disse-cantando, aos portugueses.
Com uma postura serena, sorriso aberto, rasgado, aparentando mais novo do que as suas oito décadas, a voz semelhante ao imaginário e para mais suportada pela forca e elegância de uma banda com mini orquestra ao vivo, Carlos dava assim início a um verdadeiro desfile de clássicos, quase ininterrupto. “Que prazer rever vocês” começou
depois por dizer. “Obrigado por esse carinho, por esse amor, todas essas coisas que tenho recebido de vocês acho que desde que eu nasci, já faz muito tempo” brincou.
Antes do tema seguinte, ainda explicou como “queria dizer muitos mais coisas, mas o meu negócio não e falar, é cantar; e é a cantar que eu quero perguntar ‘como vai você’ iniciando a canção com o mesmo nome, gravada em 1972.
Sempre assim, entre temas antigos e mais antigos ainda, românticos e mais românticos ainda, numa viagem ao antigamente a passar por momentos como “Além do horizonte”, e “Desabafo”, Roberto Carlos foi continuando, sempre as pernas a dançar, a puxar pelo público a cada oportunidade ou refrão, sempre a conversar sobre as músicas, a contar histórias, a dizer piadas, a pedir mais coros – "esse [coro] para ameaça foi bom, agora quero o a sério", dizia a dado ponto, brincalhão, charmoso.
Agora sentado, estrelas ao fundo do palco, “Detalhes” de 1971 é um dos momentos mais bonitos da noite e depois o artista explica como vai trazer um tema que sempre amou, sendo uma grande emoção cantá-lo em Portugal, e entra “Coimbra (é uma lição)”.
Entre músicas, continua a haver sempre um enquadramento ou uma nota, e sobre “Olha” o cantor diz ter dias em que olha para a plateia e lhe dá vontade de cantar essa canção para alguém em especial; e depois, em “Nossa senhora” é o público quem mais adere ao refrão.
A iniciar “O calhambeque”, enquanto a banda e orquestra fazem primeiro uma longa versão instrumental do tema, Roberto retira-se brevemente do palco mas logo volta para terminar de cantar o clássico, e ainda anunciar outro clássico, do início da sua carreira: “As baleias”, que introduz explicando que a preocupação ambiental que motivou a canção continua até hoje (desde 1981 quando foi escrita), porque “pouca coisa foi feita” desde então.
“Lady Laura” é sobre a mãe do cantor, Laura Moreira, uma terna canção e letra que introduz dizendo como a escreveu com muita alegria e muito amor, o dedo indicativo a apontar para o céu no final, perante os aplausos do público.
Segue-se um medley dedicado a mulheres, com vários temas, intercalados por um poema e terminando com “Côncavo e convexo”; e logo o cantor introduz a próxima canção com nova explicação ou história: “Uma vez eu estava no carro e uma mulher bateu no vidro e disse ‘faz uma canção para as mulheres de 40’”, começa por contar.
Dedica então “Mulher de 40” a todas as mulheres, “por volta dos 40, menos ou mais, tanto faz”, frisa, e ainda reitera, no final: com “20, 30, 40, 50 ou 60 anos, as mulheres são sempre iguais, maravilhosas”.
Tempo para apresentar a banda, que o músico garante ter entre os elementos alguns dos "melhores do mundo”; mas fá-lo a cantar, criando uma letra e até nisso um momento, e brincando depois que “quem tem uma banda como esta nem precisa de cantor, mas eu não quero perder o emprego”.
Até à despedida ainda faltavam "Esse cara sou eu" e depois "Amigo", já com o público a deixar as cadeiras de lado e a levantar-se para cantar e dançar, muitos aproximando-se quase em transe e espontaneamente do palco. Depois de reiterar que ama o público português, e de cantar "Como é grande" – gesticulando sempre na parte de “como é
grande o meu amor por você” na direção dos fãs –, para terminar, “Jesus Cristo" e depois "Eu ofereço flores", canção lançada no final do ano passado que dá nome à tour, e que foi assumidamente escrita como um agradecimento ao público.
“Vocês são a musa inspiradora dessa canção” diz, e canta como “olhando pra vocês; eu vejo esses sorrisos; que enfeitam minha vida; de alegria e cores”, multidão em festa até ao final, cantor a distribuir e atirar dezenas de rosas ao público, tornando literal o título.
Duas horas depois do início, mais de 20 músicas, que atravessam seis décadas, a transportar os presentes a mais memórias do que muitos terão conseguido em tão pouco tempo processar, Roberto Carlos, 83 anos, de pé na maior parte do tempo, conversador, elegante, riso aberto, voz e timbre característicos, provou novamente em Lisboa a tal teoria do indecifrável milagre e fenómeno de popularidade em seu redor.
Ou não tão indecifrável: quando é com visível empenho, gosto, energia e amor que ainda faz isto, e enquanto assim for, a idade, como o próprio diz, "menos ou mais, tanto faz".