A peça "Os três irmãos", de Victor Hugo Pontes, pode ser vista hoje, às 19 horas, ao vivo, no Teatro Rivoli, no Porto
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Do encontro entre um homem do movimento e um homem da palavra resultou "Os três irmãos", coreografia sobre um calvário familiar que se desenrola em dois planos: nos corpos dos intérpretes conduzidos por Victor Hugo Pontes e no texto de Gonçalo M. Tavares que é projetado no decorrer da ação. É um dos espetáculos nacionais em destaque na 5.º edição do Festival Dias da Dança.
Tudo começou pela vontade do coreógrafo, nascido em Guimarães, em 1978, de trabalhar com os bailarinos Dinis Duarte, Paulo Mota e Valter Fernandes. E de explorar com eles o tema das relações familiares. Veio depois o convite ao escritor, que viu já várias obras suas serem adaptadas ao palco. Gonçalo M. Tavares orientou-se por uma lista de palavras, enviadas por Victor Hugo Pontes, que remetiam direta ou enviesadamente para o assunto da família. E imaginou três irmãos, com nomes que saem da sua habitual onomástica da "mitteleuropa" - Abelard, Adler e Hadrian -, dando-lhes um propósito: encontrarem o pai.
"O texto de Gonçalo M. Tavares fala sobre a vida em família: os conflitos, as tensões, a proximidade sanguínea entre irmãos, que dá força, mas também traz fantasmas e gera conflitos. São esses conflitos que vão desencadeando a ação", explicou o coreógrafo quando a peça se estreou, em setembro de 2020, no Teatro Viriato, em Viseu. Pensada antes da pandemia, mas ensaiada em plena dança de confinamentos e aberturas, "Os três irmãos" acaba por refletir uma das consequências da situação, admitiu o coreógrafo: essa perturbação nas relações familiares que, nos casos mais dramáticos, chega ao ponto de "elementos da nossa família irem desaparecendo e não nos podermos despedir deles."
A demanda dos três irmãos, e os conflitos que ela revela, é no entanto mais antiga que a pandemia. Prende-se com as dinâmicas secretas que perpassam as relações de sangue, feitas de tensões acumuladas, interdependências e sacrifícios. E que escorregam para o lugar mais perigoso ao investigarem o passado - no caso da peça, a investigação é motivada pela descoberta, num dos irmãos, de uma marca que os outros não têm.
Os movimentos desenhados em palco por Victor Hugo Pontes decorrem sob o signo da escrita obsessiva e desapiedada do autor do recente "O osso do meio", alguém que sempre explorou esse lugar onde a racionalidade mais fria e a insanidade se confundem. Os irmãos empurram-se e carregam-se, assinalam as suas memórias a giz, procuram sobreviver uns aos outros. O tom pesado da peça é aliviado por aquele tipo de humor só compreendido por quem já aceitou uma boa dose de desespero.
Para registar o processo de criação do espetáculo, e dar alguma perenidade ao efémero, foram criados mais dois objetos: o documentário "Irmãos", de Miguel C. Tavares; e um caderno de criação bilingue, que inclui o texto original de Gonçalo M. Tavares, fotografias de José Caldeira e ensaios de Madalena Alfaia, Tiago Bartolomeu Costa, Patrícia Portela e Joana Gama (pianista co-autora da música de "Os três irmãos").