Especialistas na área dos media alertam para o perigo de as estações canalizarem recursos para o salário das "estrelas", desinvestindo no resto.
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É preciso recuarmos mais de uma década e meia, quando a TVI arrebatou a liderança das audiências à SIC, para encontrarmos algo parecido: transferências de figuras do entretenimento pagas a peso de ouro, desenterrar de fórmulas gastas e até ameaças judiciais pelo meio, com pedidos de indemnização na ordem dos milhões.
A disputa pela liderança está mais acesa do que nunca, mas os papéis do início do milénio inverteram-se. Agora é o canal de Queluz de Baixo que procura chegar ao trono, valendo-se do forte apelo popular de Cristina Ferreira, que aceitou regressar à casa-mãe, investida no papel de diretora de Entretenimento e Ficção da estação e até de acionista da Media Capital, com 2,5% das ações.
É precisamente esta coincidência de funções que, no entender da professora universitária Felisbela Lopes, mais riscos encerra para a própria empresa, ameaçando a sua estabilidade futura. "Era desejável haver um distanciamento maior entre a estrutura acionista e as opções da grelha de programas", opina, convicta de que os poderes de que Cristina Ferreira dispõe "vão criar problemas a médio prazo" com o diretor de Programas efetivo da estação, Nuno Santos.
Apelando à Entidade Reguladora para a Comunicação Social para que peça esclarecimentos urgentes sobre esta matéria, Felisbela Lopes critica também a estratégia da SIC "de correr atrás" das opções da TVI, ao mesmo tempo que saúda a RTP por estar a manter-se "à margem" desta guerra de audiências.
cristina "a imitar" oprah
Mas as consequências podem ir muito além desse alegado conflito hierárquico. Para Miguel Crespo, professor assistente no ISCTE, as contratações milionárias vão obrigar as estações a canalizar a maior parte dos recursos para esse fim, agravando a tendência da última década de diminuição de custos da produção audiovisual: "Para que os produtos sejam o mais "low-cost" possível, as televisões vão trabalhar com ainda menos recursos humanos e técnicos".
Essa poupança nos "99% de funcionários que asseguram toda a produção", seja de entretenimento, ficção ou informativa, pode ainda "afetar a qualidade final dos próprios produtos televisivos", prevê o especialista, que elege os espectadores como os principais lesados, ao terem acesso a "programas cada vez mais básicos e simples".
Se essa disputa acesa pelas figuras mais requisitadas do pequeno ecrã, sejam animadores ou pivôs, "nada tem de novo", Gustavo Cardoso vê nas recentes opções tomadas por Cristina Ferreira uma tentativa de "seguir um percurso semelhante ao de Oprah Winfrey", ainda que a uma escala ínfima.
O professor catedrático no ISCTE aponta como exemplos disso mesmo "a gestão da marca e a capacidade negocial na utilização do seu nome".
Mais difícil de entender será o investimento tão significativo num período de brutal contração económica, com consequências evidentes nas receitas publicitárias. Contudo, Gustavo Cardoso acredita que "os gestores não estão a olhar apenas para a quota de mercado atual, mas para a futura. É esse pensamento que lhes permite acreditar ser possível pagar verbas tão altas".