Bailarina e coreógrafa assinala 70 anos com um novo solo, “O Salvado”, um ensaio sobre o tempo, o corpo e a palavra. Estreia é no Teatro Carlos Alberto já na quinta-feira.
Corpo do artigo
Os limites do corpo expandem-se, alteram-se, esfumam-se, quando o mote é a dança e quando a arte é missão. No ano em que assinala 70 anos de vida, 50 de carreira e 30 de companhia, Olga Roriz volta aos palcos e aos solos, com “O Salvado”: novo espetáculo que é quase como um autorretrato, confessa, e que nasce de uma interrogação, sobre o que permanece.
“O Salvado” é, diz Roriz, tudo o que conseguiu salvar, depois do limpar do que ficou para trás; mas é também uma intenção por descobrir, a continuidade de uma luta partilhada, e um ensaio sobre o corpo, o movimento e a palavra. O espetáculo estreia na quinta-feira, 3 de julho no Teatro Carlos Alberto, no Porto, e por lá fica até sábado. Segue depois para o São Luiz, Lisboa, de 9 a 12 julho, e parte em digressão até ao final do ano.
Preparado ao longo de um ano, através seis residências artísticas, no novo solo a bailarina e coreógrafa foi tecendo um percurso, um “mapa de gestos, imagens, vestígios e palavras”. Ao JN, explica como o objetivo inicial das residências foi questionar: “tentar perceber o que estou a fazer aqui, porquê estou a fazer isto, onde estou, e ao mesmo tempo, não respondendo, mas encontrando certas coisas”, adianta, acrescentando como começou pela voz, a improvisar discursos, textos.
“O meu primeiro impacto foi algo que nunca fiz: o falar com o público, o perder aquela quarta parede e lançar-me a um diálogo, que não tem a ver com o corpo, só. O corpo está lá, sempre, mas tem a ver com a palavra. E isto foi crescendo, e ao longo dessas residências fui tendo cada vez mais material, tanto de textos como de cenas, movimentos, coreografias, ideias”, adianta.
Roriz diz que foi na quinta residência que decidiu que o tema da peça seria todo este percurso, “porque aí se continha tudo. O onde está esta mulher de 70 anos, esta coreógrafa, mas também esta mulher, é preciso não esquecer. E esta intérprete”.
Topologia do tempo
Foi quando a artista nascida em Viana do Castelo fez “uma espécie de cartografia, que chamei de topologia do tempo, onde fui inserindo todos os meus pensamentos, imagens”. Em palco, há depois uma partilha: a solo, Olga é vulnerável, ilimitada, por vezes desnuda, livre. Fala com o público, toca guitarra. “Há aqui uma partilha de um sentido de humor que as pessoas não estão habituadas em mim, uma partilha quase com uma fragilidade de me despir literal e não literalmente. É estar ali para o público, de forma muito aberta e muito frágil ao mesmo tempo. Quando tu te abres, há uma fragilidade que pode ser muito interessante para essa partilha, porque geralmente as pessoas que estão no palco são como deuses. E não é nada disso”.
Há o corpo, o movimento, a palavra, música, teatro. O conjunto é como “um autorretrato”, confessa. “São formas de me expor e de partilhar e comunicar. E no fundo o que tentei fazer, como o pintor que tem a tela em branco, foi colocar-me como uma tela em branco. Não ir às memórias, não é um espetáculo de arquivo, mas deixá-las, elas estão agarradas a mim. E por isso ‘O Salvado’, ou seja, o que está, está. Está aqui, mas não há uma viagem para trás. A minha sensação e a minha vontade foi perceber este agora; e este olhar para a frente. O que ficou, ficou”, resume.
O que está para a frente é o não parar, enquanto o corpo deixar, e reconhecendo o legado que a Companhia Olga Roriz, que já completa 30 anos, está também a criar. Mais de uma década após o último solo, a paragem a dever-se ao muito trabalho com a companhia, ao JN a bailarina confessa que a idade traz mudanças mas diz que, a dançar, se sente melhor do que durante anos, “as dores existem mas já foram piores”. E admite que fez um espetáculo à medida do seu corpo, ainda que puxando por ele. “Se nos lembrarmos de todos os coreógrafos que continuaram a dançar com longevidade, foi porque desenharam espetáculos à sua medida; com a sua linguagem, o seu corpo. O que quero mesmo é conseguir fazer os espetáculos com prazer”.