Os anos mais tecnológicos do camaleão surgem agora reunidos em "Brilliant adventure (1992-2001)". Com frescura e um álbum inédito, "Toy".
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Ouvidos a esta distância, os álbuns que David Bowie publicou na década de 1990 combinam com o título da caixa que os reúne, agora editada. A viagem que vai de "Black tie white noise" (93) a ""hours......"" (99) é uma aventura brilhante, um período que ficou perto de repetir a evolução acelerada do músico/compositor/esteta visionário nos anos 70.
"Brilliant adventure (1992-2001)" é a quinta caixa que reúne a vida musical de Bowie, juntando os LP originais a inéditos, gravações ao vivo, singles avulsos e remisturas. Uma série que teve início com "Five years (1969-1973)", prosseguindo com "Who can I be now? (1974-1976)", "A new career in a new town (1977-1982)" e "Loving the alien (1983-1988)".
Futurista e industrial
Bem medidos, os anos 90 de David Bowie começam com uma limpeza de palato. A década anterior, de sucesso planetário, gigantismo e estridência, terminou em ressaca. "Black tie white noise" é um tratado de canções elegantemente tecnológicas e dançáveis, coproduzidas pelo regressado Nile Rodgers e como que banhadas por um estado de graça vindo do casamento, então fresco, com Iman Abdulmajid.
O fulgor tecnológico não cessaria de ganhar terreno. A banda sonora da série televisiva "The Buddha of suburbia", também de 93, tem fulgor e material de formas mais livres, mesmo que a ideia de canção nunca ande longe. Numa década de reencontros pontuais, Bowie cruza-se com Brian Eno para o conto futurista, noir e algo nonsense de "1. Outside" (95), que vai do ambient a uma dureza industrial que abre canais de diálogo com bandas como os Nine Inch Nails. A banda é um luxo: entre outros, Mike Garson, Sterling Campbell, Carlos Alomar e o guitarrista Reeves Gabrels, personagem central no percurso ilustrado por "Brilliant adventure". O apogeu desta era eletrónica assoma em "Earthling", de 97, monumento de paranoia e entusiasmo com petardos de drum & bass e golpes de guitarra futurista a atravessar melodias de contornos instantaneamente reconhecíveis. Dois anos depois, ""hours..."" é já outra coisa, mais introspetivo e menos essencial. Na prática, parece já inaugurar o período seguinte do percurso de David Bowie, com maior ênfase no classicismo rock.
Um brinquedo novo
A curiosidade maior desta caixa reside em "Toy", álbum gravado logo após a justamente celebrada passagem de Bowie pelo festival de Glastonbury em 2020 e até agora remetido aos arquivos. É um encontro do camaleão, já longe do enamoramento eletrónico, com 11 temas recuperados do seu cancioneiro dos anos 60. Mesmo num contexto pop-rock mais tradicional e orgânico, o repertório tem direito a atualizações criativas, com pico numa "Shadow man" que levita. O único inédito, "Toy (your turn to drive)", sonha e divaga em psicadelismo. O velho conhecido Tony Visconti retorna para tratar dos arranjos de cordas, Gail Ann Dorsey é um portento no baixo, Earl Slick brilha nas guitarras.
"Brilliant adventure (1992-2001)" completa-se com o registo de um concerto "best of" no londrino BBC Radio Theatre em junho de 2000 e três discos de faixas soltas, raridades e posta-restante. Uma aventura que se dá bem com o passar dos anos.