Grupo de Win Butler fez a festa como é seu apanágio e os Smashing Pumpkins voltaram a ser felizes por cá. NOS Alive 2024 arrancou com forte disputa face a qual o concerto da noite.
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Entram em palco anunciados por “Sound and vision” de David Bowie, astro maior de entre as estrelas musicais já desaparecidas, e que ainda colaborou com eles em “Reflektor”. Dezenas de rosas brancas em palco, os gráficos de “Funeral” no fundo, a multi-instrumentista Régine Chassagne a queimar qualquer coisa na manga junto do público – o que seria? Assim, de forma mais ensaiada e solene do que é habitual, os Arcade Fire iniciaram, pelas 00.00h desta quinta-feira, no NOS Alive em Algés, o último concerto da primeira noite do festival, no palco principal. Em segundos apenas, a solenidade se dissipou: e a festa, como sempre, entrou.
“Neighborhood #1 (Tunnels)", “Laika”, “Power out”, “Rebellion (Lies)” preencheram um início arrebatador, e entre a escolha das músicas e os gráficos de “Funeral” no palco, por momentos pensámos se este seria um espetáculo de homenagem ao primeiro disco da banda de Montreal – afinal de contas, ele completa 20 anos em setembro deste ano.
Logo depois se percebe que não: há muitos êxitos, de vários álbuns, para tocar, o público quer a tal festa, o grupo também, e os Arcade Fire voltam a estar como sempre os temos visto: comunicativos, em modo clássicos atrás de clássicos, discos alternados, em constante interação com o público.
Entre “Rabbit hole”, “Reflektor” e “Afterlife” - já com Win Butler a descer e a ser engolido pelos fãs, surge uma rápida ameaça aos acordes e letra de “Today” dos Smashing Pumpkins, com o vocalista a elogiar o coletivo que os precedera no palco. Explica mesmo como eram uma das suas bandas favoritas, na altura em que ele próprio quis começar um grupo.
“No cars go” é muito bem acolhido, com os prolongados coros no final, antes e “Keep the car running”, onde Régine toca bateria, Butler agradece e atira em português algo como “estar em Lisboa é como estar em casa”; acrescentando depois em inglês que sempre foi assim por cá, desde a primeira vez.
“Suburbs”, “Sprawl II”, agora com Chassagne a ser engolida pela multidão, “Everything now” e “Wake up”, com a habitual cantoria estendida e alimentada por um mini desfile da banda, encerram o espetáculo, uma hora e meia depois do início.
Tudo isto que é um concerto de Arcade Fire, toda esta festa e energia dos vários multi instrumentistas em palco, todo o tipo de gerações e pessoas que assistem, depois de tantas datas – não assim tão diferentes, é verdade que já aconteceram por cá, e não deixa de ser incrível, como uma banda indie de Montreal se tornou neste grupo de milhões, confettis e balões insufláveis.
A verdade é que o grupo canadiano, que teve os seus desafios a vários níveis, ainda consegue hoje facilmente uma setlist só de boas músicas, com ótimos ganchos ao vivo- e mais setlists igualmente boas poderia ter. E que, seja para poucas centenas de fãs em Paredes de Coura em 2005, ou para mais de 55 mil no Nos Alive em 2024, a entrega é sempre total, é um concerto onde o tempo voa, onde não há tema que não se cante ou dance – e em qualquer nicho do recinto, menos ou mais afastado do palco, se vê cantar e dançar. Lisboa já é casa para os Arcade Fire, e eles também já são um pouco casa para muito do seu público.
“Wanna go for a ride?”
Antes do grupo canadiano, o Palco NOS recebeu outro nome de peso, como aliás Butler referiu. Senhoras e senhores, diretamente de Chicago, com mais de 30 anos de carreira, são os Smashing Pumpkins, e têm uma discografia tão extensa e variada, que um concerto seu pode agradar a muitos fãs, a poucos, a só alguns. No NOS Alive 2024, serviram um festim de música, quer quanto aos clássicos tocados, como à entrega e virtuosidade, e não poderão ter restado muitas almas descontentes no final.
No seu site oficial, os Smashing Pumpkins têm uma área reservada a memórias de fãs- ideia tão boa e bonita que espanta por não ser mais utilizada. São pequenos espaços, onde cada seguidor pode escrever como que um postal ou uma carta, a explicar a importância do grupo de Billy Corgan na sua vida. Normalmente começou com os pais, ou nos importantes e formativos anos da adolescência, ou porque um namorado ou namorada ouvia, porque certo concerto os marcou.
Nesses postais virtuais, poderíamos acrescentar um, com a memória da noite de 2 de maio de 1996, na praça de touros de Cascais, na primeira passagem do grupo em Portugal, que para muitos dos presentes foi, e sempre será, dos melhores concertos da vida- até para a banda, que por diversas vezes já o referiu. Chovia copiosamente, o tempo quase todo, algo se criou ali, uma ligação, uma empatia, que culminou com Corgan a dizer, quando a chuva finalmente deu tréguas, aos rendidos, encharcados e afónicos fãs, algo como “vêm, juntos até conseguimos parar a chuva”.
Muitos anos, mais de 20, algumas paragens, diversas alterações, no fundo uma vida depois, Billy Corgan ainda refere por vezes esse concerto, e voltou a fazê-lo esta noite. Primeiro, entrou em palco uns minutos antes da hora marcada (21.50h), com a sua batina preta e logo “The everlasting gaze”, do álbum “Machina”, em 2000.
Depois de “Domsday clock” e de um solo muito aplaudido do baterista Jimmy Chamberlin, o primeiro momento nostálgico da noite chega, quando entra “Today”, do já mítico “Siamese Dream”, Corgan de sorriso aberto na cara, amigos abraçados a cantar memórias.
A formação atual conta com o vocalista, James Iha na guitarra, e Chamberlin na bateria, quase a formação original, além do baixista Jack Bates, guitarrista Kiki Wong e vocalista Katie Cole, ao vivo. Iha vai ao início fazendo as honras da casa e cumprimenta o público em português, mas a partir de “Tonight, tonight”, Corgan, que termina a música a apontar para o público na parte do “Believe in me as I believe in you”, vai estando cada vez mais solto.
“That which animates the spirit” é o tema que apresenta o novo disco do grupo, “ATUM – A rock opera in three acts”, e em “Ava adore” o vocalista, sem guitarra, já dança, ri, saltita e grita.
É depois que pergunta a James Iha como ele está esta noite, e logo responde ele próprio: “eu sinto-me bem, toda a gente sabe que eu adoro Lisboa e Portugal”, diz Corgan. De seguida, quer saber se Iha se lembra do concerto na Praça de Touros em Portugal. James não se lembra, Corgan insiste, disse que era em Cascais, que estava a chover, nada, insiste, lembrando novamente como foi especial para ele. E remata: “nós amamos-vos, nós agradecemos-vos”.
Tempo ainda para, explica, “uma canção que criámos em 1992 do álbum ‘Siamese dream’, espero que gostem”, e é “Disarm”. E o que tocar depois disto que possa almejar superar? “Bullet with butterfly wings”, claro.
Entre temas como “Empires” ou “Beguiled”, entre solos virtuosos, quando chega “1979” Corgan já parece ligeiramente rouco, ninguém se importa, ele muito menos. O vocalista continua a agradecer e o concerto acaba com “Cherub rock” e “Zero”. “Só mais 20!”, grita uma fã atrás de nós, enquanto Corgan faz vénias de despedida ao público, que lhe faz vénias de volta.
No palco secundário, Black Pumas e Jessie Ware foram protagonistas de dois outros grandes concertos da primeira noite do festival, assim como Benjamin Clementine, que atuou no palco NOS ao pôr do sol.
O NOS Alive 2024 continua esta sexta-feira, 12 de julho, com artistas como Dua Lipa, Michael Kiwanuka ou Aurora no cartaz. No sábado dia 13, último dia esgotado há meses, atuam em Algés Pearl Jam, Sum41 e The Breeders, entre outros.