
Experiência de Heinrich von Kleist como editor de jornais deixou marca perene
Direitos reservados
"Estranha profecias e outros textos" é uma curiosa antologia editada pela E-Primatur que reúne textos de imprensa escritos por Heinrich von Kleist entre 1810 e 1811.
Corpo do artigo
Fadados para o imediato, os textos de imprensa escapam por vezes, como que por milagre, aos ditames do tempo. É indesmentível que só muito raramente, como ensinavam os manuais de jornalismo de antanho, os jornais de hoje não acabam a embrulhar o peixe de amanhã, mas, quando se conjugam fatores como o talento do articulista ou a perenidade do tema abordado, não há poeira que consiga soterrar determinadas crónicas, entrevistas ou reportagens.
É nessa restrita galeria que se incluem os textos que Heinrich von Kleist escreveu para o "Berliner Abendblätter", periódico de que foi editor. A curtíssima experiência - balizada entre o início de outubro de 1810 e o final de março do ano seguinte - não atrapalhou a sua sobrevivência no futuro; antes pelo contrário, acentuou-lhes uma carga mítica, de que a sua reunião nesta antologia com a chancela da E-Primatur é disso perfeito exemplo.
Dois séculos nos separam da época a que se reportam as histórias, episódios soltos ou simples curiosidades que Kleist partilha neste volume e, todavia, nem tanto parece ter mudado assim, pese embora toda a suposta evolução e progresso entretanto registados.
Com exceção da crendice extrema da generalidade dos europeus da altura, sucedem-se as ambivalências entre os dois períodos, desde os líderes políticos com propensões imperialistas (ontem Napoleão, hoje Putin) aos pequenos delitos praticados por quem procurava, antes de mais, obter alguma forma de reconhecimento, mesmo que através dos caminhos mais ínvios.
O que confere, então, a estes textos a centelha que lhes permitiu chegar aos nossos dias? Acima de tudo, o modo como o autor de "O duelo" se servia de um acontecimento do quotidiano para procurar penetrar na alma dos indivíduos, perscrutando as suas ações até que nelas detetasse algum sinal capaz de explicá-las de forma satisfatória.
Crente entusiasta da Razão, no melhor espírito iluminista, sentia-se atraído pelo trágico, no que ele representava de atávico para o ser humano, como, aliás, a sua curta vida veio a demonstrar.
Ao invés dessa propensão fatalista que viria a culminar com o suicídio, poucos meses depois de terminada a experiência no "Berliner Abendblätter", é a dimensão mais grácil, e bastas vezes humorística, que encontramos na maioria dos textos, verdadeiros tratados de humanidade que ainda se leem com manifesto interesse.
Estranha profecia e outros textos
Heinrich von Kleist
E-Primatur
