"Tempestade", de Pedro Abrunhosa com Carolina Deslandes, é uma das mais emocionantes filhas da pandemia. Versa sobre a vontade de abraçar o pai, de 96 anos, e sobre quanto mais tempo ele terá para ser abraçado. "Como a distância me incendeia, meu pai", cantava o portuense no início de maio. Octávio Abrunhosa viria a falecer no final desse mês.
Corpo do artigo
Tal como fez questão de desabafar após a morte do progenitor, Pedro Abrunhosa não está só na tempestade. As mortes associadas à pandemia brotam das letras portuguesas como murros no estômago e poucos são tão afirmativos como Sérgio Godinho em "O novo normal". O tema lançado em agosto do ano passado a propósito dos 75 anos de vida do músico tem no título a óbvia referência aos tempos de pandemia. "No novo normal/ Caem corpos à sorte/ Em valas comuns/ Num silêncio de morte".
Num registo diferente, o casal David Fonseca e Ana Sofia Martins gravou "You feel like home". O animado tema é uma espécie de ode ao amor em tempos de isolamento e à forma como este pode ser ultrapassado a dois. "Anda dançar comigo esta noite/ Vamos deixar o mundo lá fora/ As ruas silenciosas de baixo/ Elas não saberão". No dia do lançamento da música, David Fonseca escreveu que "criar é uma forma de manter viva a nossa autonomia, a nossa liberdade".
saúde e esperança
As ruas desertas são muitas vezes a imagem perfeita para retratar as consequências da pandemia e poucos o fizeram tão bem quanto o rapper João Pequeno. O videoclip do tema "Amanhã vai ser melhor" foi pintado com imagens do fotojornalista Rui Oliveira. Enquanto João Pequeno canta que "todos os dias são domingo e o domingo é uma merda", o vídeo mostra as ruas do Porto desertas, um rosto no hospital, uma cama de um lar, uma cantina social, um sem-abrigo a pedir, o Douro sem as suas gentes.
Igualmente inspirado pelas ruas vazias, Agir lançou "Alma" em junho: "E eu nunca lidei bem com a distância/ Não me querias ensinar a ficar só". O tema sobre a solidão aborda ainda a saúde mental que alguns tendem a desvalorizar e estão cada vez mais na ordem do dia.
Outros temas conhecidos da música portuguesa foram adaptados à realidade pandémica. António Zambujo refez a "Pica do 7" para apelar a que todos fiquem em casa, enquanto Boss AC adaptou a "Tu és mais forte" para deixar uma mensagem de esperança: "Tu és mais forte e sei que no fim vais vencer, sim acredita num novo amanhecer, não tenhas medo fica em casa que eu fico também, e vai correr bem tu vais ver".
De Nick Cave a U2, uma volta ao Mundo pelas músicas do vírus
A covid-19 tem inspirado composições de artistas de todos os continentes. Da Austrália saiu a colaboração de Nick Cave com Nicholas Lens para a ópera "L.IT.A.N.I.E.S.", 12 faixas líricas de expressão divina que retratam o nascimento, explosão, fratura e renascimento da raça humana. Familiar? Se calhar não tanto como o americano Iggy Pop, que lançou o tema "Dirty little virus", um tema pouco emocional e mais direto típico de um rocker que faz o que quer. Na Europa poucos temas batem "Let your love be known" dos U2, lançado a propósito do caos que assolou a Itália na primeira vaga. O músico do Uganda (e líder da oposição) Bobi Wine também lançou "Corona virus alert", e na Ásia brilhou o tema K-Pop "Me me we", de oito artistas, entre os quais Rahmania Astrini.