A epopeia camoniana conhece agora uma edição pensada só por mulheres. São dez ilustrações e uma atualização do texto para a contemporaneidade.
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"Os Lusíadas" de Luís Vaz de Camões, primeira epopeia portuguesa publicada em 1572, tem agora uma edição idealizada e concretizada apenas por mulheres. São dez ilustrações para os dez cantos, uma atualização do texto e um design que "provoca os estereótipos e transforma a obra num grito feminista". A obra foi lançado no âmbito da terceira edição da Bienal de Ilustrações de Guimarães (BIG), numa parceria entre a editora Kalandraka e a Universidade do Minho (UM).
O projeto nasceu de uma conversa entre o reitor da UM, Rui Vieira de Castro, e o diretor artístico da BIG, Tiago Manuel. "Percebemos que havia uma necessidade de dar um exemplo às futuras gerações sobre o direito à escolha. Queríamos dar uma visão à obra diferente da masculina", explicou, ao JN, Tiago Manuel.
A obra, que já chegou ao mercado, foi desenhada por Joana Pires e inclui dez ilustrações - uma para cada canto do poema. As ilustradoras Carolina Celas, Joana Rego, Joana Estrela, Madalena Matoso, Amanda Baeza, Inês Machado, Mariana Rio, Catarina Gomes, Marta Madureira e Marta Monteiro foram escolhidas pelo júri dos prémios da BIG com base numa lista de 30 artistas feita por Tiago Manuel, que admite que o processo de seleção "é ingrato".
"Não houve uma agenda para escolher apenas mulheres. Mas enquanto programador cultural e membro de uma sociedade, acredito que as pessoas devem ter direitos e oportunidades iguais. E os direitos que estão contemplados na lei e na Constituição Portuguesa nem sempre são cumpridos na prática", diz.
"Caminhamos para uma sociedade de gavetas. Sou adepto das pessoas e não do género. Nesta função de programador tento preencher, de forma sensível, os espaços vazios".
O diretor artístico tece ainda uma crítica ao centralismo. "Em pleno século XXI, o que acontece fora de Lisboa ainda é visto como mal-amanhado ou mal pensado. Esse preconceito condiciona a divulgação e importância da cobertura de obras como esta".
Texto Contemporâneo
A atualização do texto esteve a cargo da professora catedrática Rita Marnoto, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
"O objetivo foi trazer o texto para uma linguagem contemporânea. Segue o novo acordo ortográfico e só se mantêm determinadas características, como é o caso de algumas palavras que fazem rima". Rita Marnoto dá um exemplo: "Camões faz a rima entre "arreceia" e "deia". "Deia" é deusa, mas não a alterei porque iria mudar a rima e Camões não se engana na rima".
A professora universitária, especialista em estudos camonianos, acrescenta ainda que se trata de "um projeto feito a pensar nas escolas". No entanto, os objetivos da obra são transversais. "Visa levar o texto de Luís de Camões a um público mais alargado. Para isso também contribuem as ilustrações e o arranjo gráfico".
"O facto de esta edição ter sido feita por mulheres é sobretudo uma chamada da atenção para o nosso lugar no mundo de hoje. E é uma forma de homenagear todas as mulheres que não têm oportunidades só pelo facto de terem nascido mulheres", afirmou Rita Marnoto.
A obra foi lançada pela editora Kalandraka, vocacionada para a publicação de obras ilustradas e em parceria com a terceira edição da BIG. A primeira edição tem 1200 exemplares.