De Lisboa à América, segundo álbum do projeto de Peixe e Frankie Chavez mostra um corpo em crescimento.
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Com "Miramar II" regressam as guitarras cúmplices de Peixe e Frankie Chavez numa dúzia de composições maioritariamente breves. Composições cuja versatilidade não abala a coesão ambiental do registo.
O ar salgado e húmido que o nome do projeto e o local onde o disco foi registado evocam (Miramar é uma de um fio de localidades costeiras em Vila Nova de Gaia) não tem especial tradução palpável nestas faixas. Pelo contrário, momentos como "Terra arde" parecem trazidos da aridez desértica de uma estrada americana para nenhures. A vibração não se afasta significativamente deste cenário em "Recolher", em que o circuito criado por Peixe e Frankie Chavez acolhe por uma vez um terceiro corpo, o piano de Mário Laginha, que avança sem pressas com um lirismo esparso; enquanto na primeira parte as guitarras recuam um passo e servem o cenário para as teclas, num segundo momento agita-se o passo e a música evolui para um diálogo dinâmico e tripartido.
"Port Royal" emprega slide e um simulacro de castanholas para uma peça que larga o tom contemplativo dominante, o sangue aquecendo com um ímpeto latino q.b. "Celulitite" de Conan Osiris recebe uma delicada, discreta e bem resolvida revisão instrumental, música (quase) tradicional (quase) portuguesa. "Charlie" parece espreitar para uma tradição folk secular soprada do centro e norte da Europa. Há nostalgia na melodia de "Até um dia", e uma densidade e urgência dramática em "Safira" que se vai esvaindo à medida que se evidencia um piano elétrico, transportando o tema para um doce fade out.
E que "Lisboa 2020" é esta, a quem são dedicados sete generosos minutos? É uma Lisboa de trânsitos, de finais em aberto, de comboios que viajam na vertical, de fado fiel a um espírito mas com corpo de formas fluídas, de ecos e mornas. Soa a peça central de "Miramar II", pela extensão e pelo fôlego subsequente. A linguagem desenvolvida pela dupla neste segundo e brilhante volume dá mostras de ser um edifício em pleno crescimento, com muitos e aliciantes capítulos pela frente.
Miramar II
MIRAMAR
UNIVERSAL