“Fico em silêncio sempre que posso” é o novo espetáculo do Teatri Experimental do Porto, encenado por António Júlio. No palco do Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, até domingo.
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Um homem invisível, enfaixado, de óculos escuros, está no centro do palco rodeado de microfones. Dir-se-ia solicitado para falar, para múltiplos canais, declarações aguardadas com ansiedade. Mas o que se sucede é o silêncio e a dificuldade desastrada em se libertar dos instrumentos que lhe pedem um discurso. Reflexão sobre o que se diz e o que se cala, “Fico em silêncio sempre que posso” é o novo espetáculo com chancela do Teatro Experimental do Porto, encenado e interpretado por António Júlio.
A proposta parte de uma coleção pessoal do ator: “As pequenas coisas, preciosas e efémeras, que recolho ao observar as pessoas e que nos permitem um encontro com esses desconhecidos.” São esses mínimos, captados em silêncio, que António Júlio procura transpor para o palco: “Trabalho a partir dessa ideia de ficar em silêncio, em vários contextos e situações. O que dizer? Onde dizer? A quem? Em que tom? Em que circunstâncias?”, indaga o criador.
Tropeçando constantemente em palco – espécie de dificuldade em iniciar um discurso, em seleccionar as palavras –, a personagem lá começa a falar. Discorre sobre aquilo que está antes do verbo – a motivação, o propósito, o tema –, evocando situações do teatro absurdista. “Isto progride”, diria o Hamm de “Fim de partida”, de Samuel Beckett. Mas o texto de Raquel S. vai seguindo outra direção, aproximando-se da autobiografia relutante.
“Isto não é sobre mim”, repete o ator, enquanto convoca memórias, reais ou ficcionadas, e vai ilustrando exemplos de silêncio – como a refeição austera, onde não se fala, mas cresce a tensão explosiva. Auscultação do próprio lugar do artista, da sua identidade, “Fico em silêncio sempre que posso” permitiu a António Júlio reencontrar “vários eus de diferentes épocas” num registo teatral sem rede – o solo: “É uma abordagem em que se mistura o medo e o sentido de aventura. Acho que descobri, sobretudo, onde não quero voltar a estar”, diz o ator.