Segundo Luís Amaro de Oliveira, <em>o melhor de </em>Frei Luís de Sousa<em> é criar um ambiente de ansiedade, um clímax de negros presságios e em iluminar as almas que Deus ou os fados vão dilacerar.</em>
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Tendo em conta a Memória ao Conservatório Real, Almeida Garrett declara que em Frei Luís de Sousa há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga, que pretende despertar o terror e a piedade daqueles que assistem ao destino trágico de uma família.
Assim, o fatalismo aparece marcado ao longo de todo o texto, por indícios ou agoiros que conduzem a um afunilamento em direção à chegada de D. João de Portugal. Toda a ação da peça consiste precisamente na reação psicológica das personagens perante a chegada dessa figura, sendo o Destino o grande impulsionador do drama. Ora, é esta força fatídica que invade os pensamentos das personagens.
Relativamente a Madalena, logo no início da peça, ela confessa sentir-se aterrorizada, pois receia que algo de mal lhes aconteça: (...) este medo, estes contínuos terrores; oh! Que amor, que felicidade (...) que desgraça a minha!
Madalena vive em contínuo cuidado por si, por sua filha e, principalmente, por seu marido que teme perder: Aquele caráter inflexível de Manuel de Sousa traz-me num susto contínuo (...); com efeito é muito tardar (...); salvem-me aquele retrato (...); também tu me desamparas (...) e hoje; todo o meu mal era susto; era terror de te perder (...) e tua mãe, filha deixa-la aqui só, a morrer de tristeza (à parte) e de medo? Tenho este medo, este horror de ficar só (...) de vir a achar-me só no mundo.
Quando Manuel de Sousa Coutinho sugere a Madalena que se mudem para o palácio que fora do seu primeiro marido, surge uma mulher assustada que vê, gradualmente, aproximar-se o reencontro com D. João de Portugal: Qual? (...) a que foi... a que pega com S. Paulo? Jesus me valha!; parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali (...); para aquela casa não, não me leves para aquela casa!; mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso ter de entrar naquela casa. Essa aproximação é, posteriormente, confirmada pela descrição em didascália do palácio. O ambiente é pesado, propício a uma tragédia: salão antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família (...).
Assim, quando Madalena deseja que Deus tenha D. João de Portugal em glória, Telmo responde-lhe com um futuro dubitativo que põe em causa a morte de seu amo: Terá (...).
Em seguida, confirma os seus pressentimentos: tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há-de ver quem é que quer mais à nossa menina nesta casa.
Madalena intimida-se com os agoiros de Telmo e pede-lhe que os esqueça: (...) não entremos com os teus agouros e profecias do costume: são sempre de aterrar (...) deixemo-nos de futuros (...); mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes (...) esses contínuos agouros em que andas sempre, de uma desgraça que está iminente sobre a nossa família (...). Tenta mesmo demovê-lo emocionalmente a não voltar a falar desses futuros: não me mates a minha filha.
Desta forma, os presságios de Telmo encontram reflexo em Madalena, corroborando os seus temores e aproximando toda a família de um destino irrefutável.
Maria é também uma espécie de feiticeira - Então adivinhas, feiticeira -, que sabe de um saber cá de dentro e que consegue ler nos olhos: (...) é que vos tenho lido nos olhos, leio, leio!... e nas estrelas do céu também, e sei cousas (...). Efetivamente, a intuição de Maria diz-lhe que a inquietação dos pais em relação a si não decorre somente de preocupações ligadas à sua saúde. É o começo da própria intuição do drama que se avizinha. A tentativa de Madalena para que a sua filha não fale de maus pressentimentos não resulta, pois as flores que murcharam conduzem ainda Maria para a suspeita de tragédia através dos sonhos: (...) não quero sonhar que me faz ver cousas... lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas (...). É igualmente Maria que prenuncia a validade do segundo casamento de sua mãe: Para que deixou ele o hábito minha mãe...? Maria confirma os agoiros de Madalena em relação à perda do retrato: Ela que não cria em agouros, que sempre me estava a repreender pelas minhas cismas, agora não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prognóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, não certa, que a tem de separar de meu pai.
A crença sebastianista de Maria é igualmente um reflexo da vinda de D. João de Portugal - onde está El-Rei d. Sebastião, que não morreu e há-de vir (...) - que aterroriza a mãe: voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe. Esta personagem colabora, de facto, para a construção agoirenta e fatídica própria de uma fábula trágica antiga: Oh! Há grande desgraça a cair sobre meu pai ... decerto e sobre mim e minha mãe também, que é o mesmo. Assim, ela pretende esclarecer os terrores de sua mãe em relação àquele retrato: este retrato e o de meu pai que se queimou são duas imagens que lhe não saem do pensamento; (...) quem é este outro, Telmo? Aquele aspeto tão triste (...). É como se Maria pressentisse a solidão de D. João de Portugal.
Contudo, Manuel de Sousa Coutinho destrói o mistério, dando-lhe uma grande naturalidade: Aquele era D. João de Portugal, um honrado fidalgo e um valente cavaleiro. Confirmam-se, assim, os pressentimentos de Maria: Bem mo dizia o coração.
É o próprio Manuel de Sousa que explica à filha o medo da mãe face ao retrato: Tua mãe ainda hoje estremece só de o ouvir nomear; era um respeito...era quási um temor santo que lhe tinha. Esta postura esclarecida e iluminada de Manuel não nos surpreende, uma vez que, ao longo da obra, parece querer afastar os maus presságios de forma racional ou até religiosa: Não senão um temor justo, Madalena: é o temor de Deus; não há espectros que nos possam aparecer senão os das más ações que fazemos; Deus nos deixe gozar em paz de tão boa vizinhança; é o dia da paixão de Cristo, Madalena.
Quando Madalena fala do caso dos condes de Vimioso, - verem-se com a mortalha já vestida e ... vivos, sãos ... depois de tantos anos de amor (...) - Manuel distingue as duas situações: A nossa situação é tão diferente (...). Contudo, a necessidade que Manuel de Sousa sente de assinalar a diferença de situações marca bem como o que sente é oposto ao que afirma.
O próprio Jorge, irmão e conselheiro de Manuel, pressente a aproximação do destino trágico: A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça (...).
* Professora de Português e formadora para a área da língua portuguesa
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