Clara Andermatt e João Lucas abrem o Festival Dias da Dança esta terça-feira com um tributo ao músico cabo-verdiano Orlando Barreto.
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"Pantera" de Clara Andermatt e João Lucas marca esta terça-feira, no Teatro Rivoli, no Porto, o início do Festival Dias da Dança (DDD). Orlando Barreto, músico conhecido como Pantera, marcou indelevelmente a música cabo-verdiana e a vida de todos os artistas que se cruzaram com ele. Clara Andermatt e João Lucas revisitaram o seu legado a partir do pedido da filha Darlene Barreto, mergulhando no espólio do artista falecido em 2001, aos 33 anos. A obra tornou-se também um rememorar do trabalho feito por Andermatt e Lucas no final da década de 1990 em Cabo Verde. Um espetáculo crioulo para que o público possa absorver a pujança e riqueza criativa deste país.
Como se construiu a vossa relação com Cabo Verde?
Clara Andermatt (CA) - A minha relação com Cabo Verde começa em 1994 quando Jorge Salavisa, programador de Lisboa Capital da Cultura, me convida e ao Paulo Ribeiro para fazer um espetáculo sobre músicas e danças de Cabo Verde. Foi feita uma seleção de músicos e bailarinos que durou vários meses, fiquei apaixonada e senti que tinha deixado muita coisa por fazer. Elaborei projetos de criação e de formação em Cabo Verde sete anos seguidos, que culminaram com a produção "Uma história da dúvida" e depois com o concerto "Dan Dau".
João Lucas (JL) - A minha história começa quando a Clara me convida para fazer "Uma história da dúvida" e foi-se intensificando. Em Cabo Verde há uma proximidade humana que se está a perder na sociedade ocidental e criam-se relações de empatia facilmente.
A Clara foi até nomeada a mulher do ano 1999 em Cabo Verde...
CA - [risos] A autenticidade e a criatividade é muito forte. Eles têm uma pujança muito grande e nós estivemos em Mindelo muito tempo em criação com grupos grandes, quer de São Vicente, quer de Santiago. Eu era das poucas figuras femininas, por isso acho que [a nomeação] foi quase de forma informal.
Como se desenvolveu a vossa relação com Orlando Barreto?
CA - Ele trabalhou connosco em "Uma história da dúvida" e sempre se destacou pelas suas características no espetáculo.
JL - A partida dele aos 33 anos foi muito traumática. A filha, Darlene, tinha seis anos quando ele faleceu. Ela criou uma fundação com o nome do pai e tem feito muita pesquisa sobre a obra dele. Através da mãe, a Darlene soube do papel da Clara, desafiando-nos para criar um espetáculo que é um lugar muito exposto e querido, em que ela se reencontra com e conhece o pai.
Como foi o processo de criação?
CA - A criação parte da música e das letras dele, sobre o homem e a mulher de Santiago, da vida do camponês, das suas alegrias e amarguras. Primeiro foi preciso agarrar esse universo nas músicas, uma ilustração da dança, e dar a nossa visão. Nessa perspetiva, quisemos um elenco maioritariamente cabo-verdiano, e para isso fizemos duas audições por convite, em Portugal e em Cabo Verde.
JL - Uma pessoa que foi logo a número um, a Mayra Andrade, que chegou a ser aluna do Pantera. Foi uma espécie de tutor no início da carreira dela.
O elenco privou todo com ele?
CA - Escolhemos um elenco de nove pessoas. Muito coesas na sua diversidade. Todas de gerações diferentes, sendo que três delas trabalharam com o Pantera e nos nossos projetos anteriores. Uma delas nem era nascida [quando Pantera faleceu].
"Pantera" é também um revisitar do vosso percurso?
CA - Esta obra é completamente uma revisitação feita de escolhas orgânicas e emocionais. Um reencontro e um mergulhar no passado.
Com a peça pronta, o que sobra?
JL - O que sobra é uma peça em que há um fenómeno de omnipresença de uma obra de Pantera que é explicada de forma concreta e abstrata. Uma série de elementos colocados em composição. Um espetáculo impressivo sobre a passagem do tempo e como lidamos com algo tangível que é a obra de Orlando Barreto.