Paredes de Coura: Está aberto o parque de diversões para adultos melómanos e está a bombar
“O público aqui é muito especial”, diz o diretor do Vodafone Paredes de Coura, “e aqui toda a gente está sempre a sorrir".
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Quando a música arrancou no palco Vodafone às seis da tarde - Dry Cleaning, quarteto pós-punk com a vocalista Florence Shaw a cantar em spoken word, muito lenta, sensual, olhos amplificados e trágicos - percebeu-se a diferença que é Paredes de Coura: no ecrã gigante atrás da banda, as imagens que passavam não eram só deles e das trips deles, eram de nós, sobretudo dos da frente, a dançar ao sol dolentemente, todos a radiar, e assim víamo-nos no ecrã gigantes, víamo-nos a ver a banda que está de frente a ver-nos a nós a olhar.
Está aberto o parque de diversões para adultos melómanos, a “máquina de fazer sonhar”, 30.º Vodafone Paredes de Coura, segue até sábado, 45 bandas, 11 ou 12 por dia, sem parar.
“Coura somos nós!”, grita Sofia, a lisboeta de 27 anos que há pouco estava no rio num biquini preto a tiritar - “Ishhh, riozinho frio!”, diz ela a esfregar os braços e a pingar.
Veio com duas amigas e já estão as três lá à frente, grudadas nos olhos e nas palavras da Florence que agora desfia o rosário rock de “Don't press me” (“estás sempre a lutar comigo, estás-me sempre a stressar, tu pressionas-me, não me pressiones”).
“Coura somos nós” é o mesmo que dizer que o público aqui é especial e especialmente melómano, que está aqui cheio de disponibilidade e de desejo, com o coração carregado de música e paixão.
“Já reparaste que aqui…”
“São melómanos, foram sempre, e isso deixa-nos muito orgulhosos”, diz ao JN João Carvalho, o ubíquo diretor e fundador do festival. “Sim, é um público muito especial, quem cá vem gosta mesmo de música. Já reparaste que aqui”, diz o João a lançar uma panorâmica e a saborear o olhar, “aqui está sempre toda a gente a sorrir”.
Está e desmedidamente, como estão Pablo e Luna, 20 e 21 anos, estudantes de línguas que se apaixonaram na Universidade de Santiago, e que estavam à tarde à beira do rio Coura a fumar um “porrito” que não os deixava parar de rir.
São galegos do coração, vêm cá este ano pela primeira vez, e galegos como são, adoram obviamente o norte de Portugal. “Tio! Isto é adorável. Guapíssimo! Nos encanta”, dizem eles em cómico portunhol, as caras quentes e eufóricas,, olhos muito pequeninos, os dois a transpirar. “E o tempo está belo, não? Madre que bien! E el póster? Espetacular!” - e depois o Pablo e a Luna desfiam de uma vez todas as bandas que querem ver. Têm bom gosto: Fever Ray, Jessie Ware, Bicep, Desire, Kokoroko, The Last Dinner Party, Ascendent Vierge, Yin Yin… “E el rock”, diz a atropelar a Luna o Juan, “belíssimo rock, não? Julie, Squid, Special Interest, Black Midi, Les Save Fav, dios mio, que belleza!”, e os dois ficam ali animadamente a confabula e a dizer “e esta e esta e esta”, felizes como cucos na sua nuvem de fumo azul.
Horas mais tarde foram avistados, os dois entrelaçados, chocalhavam os ossos na “Heat wave” dos Snail Mail, no meio do povo que enchia a tenda do palco Yorn, a segurar muito direitos os copos da cerveja e a fumar. “Tio!”, berraram eles a piscar o olho quando íamos a passar.
O caso do Rambóia
Descobriu-se! É ele o cromo mais popular daqui no 1.º dia, aquela cara está em todo o lado, é Graciano Rambóia e o Rambóia está cá para pagar finos.
Está com cinco amigos à volta dele, Graciano, todos em calções, e todos se riem sem parar, enganchados uns nos outros. São o Diogo, a Patrícia, a Patrícia está de biquini, a Mariana também, mais o Vasco, o David e o Júlio César, o Júlio é que é o Rambóia, é uma "persona" do festival. São todos do norte e esta é a ideia deles da amizade: “Fizemos-lhe uma gigantesca ‘prank’, espalhamos 400 stickers pela vila com a cara dele estampada a dizer que ele paga finos!”, diz o Diogo, “e agora vai ter que pagar!” O Graciano, que é o Júlio César, encolhe os ombros, sorri e abraça-os a todos de uma vez. “É assim a amizade”, diz o Rambóia, “é amizade ou é bullying!”, comenta a gargalhar. Faz 30 anos a 10 de setembro, 30 anos como Coura, “é o mundo todo aqui a colidir!”, diz ele a abrir os braços desmedido. “Ai, é tão bonito isto, não é?”.