Paul Auster: "Perdemos um dos autores mais queridos, até pela proximidade com Portugal"
Morreu Paul Auster: escritor de 77 anos não superou cancro pulmonar. Deixa um legado literário sem comparação na ficção pós-moderna. "Ele dizia que era mais conhecido cá do que em Nova Iorque”, diz ao JN a sua editora, Carmen Serrano.
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Complexo, misterioso e por vezes inesperado, como as suas personagens; exímio a abordar as questões da vida e da morte, das arbitrariedades, do destino, da identidade: Paul Auster, um dos romancistas mais aclamados do mundo, com um estilo altamente estilizado e peculiarmente enigmático, morreu terça-feira na sua casa em Nova Iorque, aos 77 anos.
O escritor norte-americano, autor de obras como "A trilogia de Nova Iorque" e "Cidade de vidro", morreu devido a um cancro do pulmão, diagnosticado em 2022.
Então, a sua mulher, a escritora Siri Hustvedt, divulgara a doença no Instagram, dizendo que a família estava em “Cancerland” e que Auster tinha iniciado tratamento. Meses depois, Hustvedt partilhou fotos antigas dos dois, juntos há mais de 40 anos, falando de um caminho “confuso e traiçoeiro”, mas elogiando-lhe a coragem, dignidade e vontade de aproveitar a vida.
“Observando Paul, entendi como é a graça sob pressão. Robusto e intransigente, com o humor intacto, ele fez deste período de doença uma coisa bonita, não uma coisa feia”, escreveu.
Adorado em Portugal
Era assim Auster: “A voz dele, o estilo, era de facto muito especial. Os temas e a visão, a forma como trabalhava o acaso e a sorte. Havia também sempre uma certa melancolia, um estilo depurado, mas caloroso”, disse ao JN Carmen Serrano, editora da sua obra em Portugal, publicada pela Leya/ASA.
Serrano, que conviveu com Auster nas suas passagens por Portugal, lembra, num enlevo mútuo, como era adorado por cá: “Ele dizia com graça que era mais reconhecido nas ruas de Lisboa, ou de Paris, do que em Nova Iorque”, revelando que Auster “não falava português, mas lia um pouco, jornais e poesia”.
Nascido numa família judia em 1947, em Newark, Auster fez de Brooklyn sua casa e cenário de romances, tornando-se uma referência do bairro e da sua mística. Falou várias vezes sobre ter crescido numa casa sem livros, que contrariava com idas à biblioteca. Mas o pai preferia que tivesse sido professor, sugerindo-lhe que fizesse da escrita “um hobby”.
Não foi um hobby. Autor de mais de 30 livros, entre romances, poesia e memórias, preferia escrever à mão e depois passar à máquina. Apelidado pelos como o um dos grandes “pós-modernistas” – rótulo que não lhe agradava –, foi diversas vezes galardoado, sendo Prémio Príncipe das Astúrias de Literatura em 2006.
Último livro impregnado de morte
Em Portugal, tem 27 livros editados, incluindo “Baumgartner”, escrito em 2023, já doente, onde cria um professor viúvo.
“Há aqui uma circularidade. A morte impregna este último livro. Mas ele atribui à morte o início da sua carreira, a descoberta da vocação”, frisa Carmen Serrano. A editora refere-se a um episódio crucial para Auster: ter assistido, aos 14 anos, à morte de um colega numa caminhada, atingido por um raio.
Na sua obra, as marcas da arbitrariedade da vida, o como tudo muda num instante, terão vindo dai. “Se quiserem falar sobre a minha filosofia, esse foi o cerne”, disse Auster. Para Carmen, “a obra dele vai perdurar, na memória e nos livros. Mas perdemos um dos autores mais queridos, até pela proximidade com o nosso país”.