Não perdeu o sentido crítico, a sátira e um humor mordaz.
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Portugal perdeu ontem Paula Rego, a mais internacional das suas artistas. Faleceu em Londres, aos 87 anos, na companhia dos três filhos, Nick, Victoria e Caroline. Foi declarado um dia de luto nacional.Mas como se cria uma artista internacional nascida numa Lisboa a 26 de janeiro de 1935, filha de José Fernandes Figueroa Rego, um engenheiro electrotécnico, e Maria de São José Avanti Quaresma de Paiva Figueiroa Rego?
Os primeiros anos foram passados na Ericeira numa quinta da família, onde foi criada pelos avós paternos, residindo os pais em Inglaterra, onde terminaram os estudos. Quando regressaram a Portugal, a pequena Paula foi diagnosticada com tuberculose e necessitava do mar do Estoril para se curar.
Aos dez anos ingressa na St. Julian"s School, em Carcavelos. Concluído o ensino secundário, o seu pai, figura tutelar, anteviu que o Portugal totalitário não seria cenário para a filha desenvolver uma carreira artística e incentiva-a a estudar em Inglaterra. Ingressa na Slade School of Fine Art, onde completou os estudos, e num ambiente londrino de boémia conhece Victor Willing (1928-1988), pintor, com quem casou em 1959.
Volta a Portugal e vive uma temporada com a família na Ericeira, época em que nasceram os três filhos e onde o casal de artistas produziu obras expostas em mostras coletivas em Inglaterra.
Paula Rego torna-se bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e participa na II Exposição de Artes Plásticas. A primeira mostra individual chega em 1966, ano da morte do pai, na Galeria de Arte Moderna da Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde expõe, entre outras, "Cães de Barcelona". A exposição,marcadamente crítica, entusiasmou os especialistas.
Iniciada a década de 1970, a sorte virou, com a falência da empresa familiar, dificuldades financeiras e uma progressão da esclerose múltipla de Victor Willing que obriga Paula Rego a vender a quinta familiar e emigrar para Londres. Em 1975 recebe nova bolsa da Gulbenkian e cria a série de guaches "Contos Populares Portugueses", um dos mais profícuos da sua carreira.
Nos anos 80 regressa à pintura, retratando o mundo infantil, com narrativas pertencentes a um teatro de crianças de Victor Willing, com as figuras de um macaco, um leão e um urso. Seguindo-se a série da menina e do cão, onde a fifigura feminina assume a liderança. Nesta década assina com galeria Marlborough Fine Art, ganhando projeção internacional, e entra nas colecções do Tate Museum e da Saatchi Collection. Em 1988, com a morte do marido, cria as obras "O cadete e a irmã", "A partida", "A família" e "A dança".
A Casa das Histórias Paula Rego abriu em 2009, em Cascais, com o intuito de acolher e promover a divulgação e estudo da sua obra.
Em 2019, nos 30 anos da Fundação de Serralves, a exposição "O grito da imaginação" mostrou 36 obras balizadas entre 1975 e 2004. Em 2020 foi realizada uma exposição com 115 obras da pintora ao lado de telas de Josefa de Óbidos, numa mostra intitulada "Paula Rego/Josefa de Óbidos: Arte religiosa no feminino" na Casa das Histórias, em Cascais. Em 2015, ao jornal "The Guardian", afirmou que "pintar ajuda a descobrir as coisas. Não é uma carreira, é uma inspiração".