O coreógrafo Paulo Ribeiro regressa à cena independente, à sua companhia que continuou nos seus interregnos, dirigida pelos bailarinos e coreógrafos São Castro e António M Cabrita, e a Viseu. Depois de ter passado pela direção artística do Teatro Viriato, (cargo que ocupou de 1998 a 2003 e depois de 2006 a 2016); do Ballet Gulbenkian (2003-2005), da Companhia Nacional de Bailado (2016-2018) e da Casa da Dança em Almada (2019-2020), quer dedicar-se exclusivamente à criação. Para marcar este novo percurso, e nos 26 anos da companhia, estreia esta sexta-feira às 19.30 horas, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, a peça "Segunda, 2".
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Está de regresso à sua companhia e a Viseu?
Há um regresso a Viseu em 2022, e um regresso à companhia. O Teatro Viriato tem agora uma direção autónoma e não escondo que seria interessante para a companhia ter um espaço próprio, agora que a minha ligação ao Viriato não é a mesma.
Há um lado afetivo nesta decisão?
A companhia continua, sinto imenso carinho e as pessoas pedem-me para haver peças minhas. Isso tem um peso muito grande, não me consigo desfazer desse carinho. Foram quase 20 anos. Houve alguns interregnos, com o meu tempo no Ballet Gulbenkian e depois com a Companhia Nacional de Bailado, mas continuei a acompanhar. Com Viseu tenho muitos laços e âncoras.
"Segunda, 2" é um remake de "Sábado, 2", a primeira peça da Companhia Paulo Ribeiro?
Os títulos são sempre difíceis. Esta peça era suposto ter acontecido o ano passado nos 25 anos da companhia, uma peça festiva, mas acontece nos 26 anos.
Porque decidiu então chamar "Segunda, 2" a esta peça?
A história de "Segunda, 2" coincide com o dia em que começámos a trabalhar: segunda 2 de agosto. Se a primeira peça, "Sábado, 2", coincidia com o lazer, com a descompressão, a segunda coincide com o início da semana e do trabalho. A vontade de que haja muitas segundas mais, muitas semanas. Esta peça celebratória era uma ideia que tinha para os dez anos da companhia, mas como coincidiu com o final do Ballet Gulbenkian acabei por criar uma peça dura e de rutura ["Memórias de um sábado com rumores de azul", 2005]. Em 2015 criei "A festa da insignificância", que era também celebratória. Agora apeteceu-me trabalhar o conceito de falha como algo positivo. Desafiei então a Isabel Nogueira a escrever a série de textos que estamos a utilizar, uma base muito interessante.
Musicalmente escolheu também peças festivas?
Apetecia-me trabalhar tangos. Comecei a pôr uns tangos do Piazolla de que gostava muito. A partir daqui, trabalhei com música do Gidon Kremer, as revisitações que ele faz do Piazolla. Curiosamente, este ano celebram-se os 100 anos do Piazolla. A partir daqui a peça teve um desenvolvimento luminoso e dinâmico, mas também muito exigente.
Que elenco tem nesta peça?
O elenco desta obra, no masculino, é muito pouco balético. Tem um artista de novo circo e o Valter Fernandes, que vem das danças urbanas, mas trabalha regularmente com o Victor Hugo Pontes. No feminino, o elenco tem uma educação formal de dança. Esta junção foi uma surpresa e o resultado fantástico. São muito generosos a trabalhar.
Porque escolheu estrear em Guimarães?
A estreia acontece aqui porque os primeiros com quem falei foram o [programador de dança] Rui Torrinha e o CCB. Os outros foram-se juntando. Com o Teatro Nacional São João tenho uma relação muito orgânica. Quando a peça começou pedi o Pequeno Auditório do CCB. Foi lá que a companhia começou. Mas depois a peça foi crescendo e percebi que [o espaço] era demasiado pequeno. Por exemplo, eu tenho um intérprete que conheci a dar formação no INAC [Instituto Nacional de Artes do Circo] e que vai trazer um número de novo circo que necessita de um pé direito muito alto. Aqui no Centro Cultural Vila Flor vai ficar muito bem. Depois será o CCB, Loulé, o Teatro Viriato e o Teatro Nacional São João, em abril de 2022. E depois disto regresso a Viseu e preparo os próximos quatro anos, porque este é um ano de interregno nos concursos.
Gostava de voltar à direção do Teatro Viriato?
Não gostava de dirigir o Viriato. A Patrícia Portela pode fazer um excelente trabalho. Gostava de criar de forma exclusiva e de ter um elenco residente, nem que fosse de cinco pessoas que se podem multiplicar para fazer peças de repertório da companhia. Os elencos são obrigados a imensa coisa, desdobram-se a trabalhar para uns e para outros. Isto traz fraca qualidade aos trabalhos, porque é necessário tempo. O que salva é que os bailarinos são muito bons. Eu já tenho pouco tempo.
Pouco tempo?
(Risos) Tem de ser um tempo de qualidade e estou virado para o meu lado de autor. O que fiz no Teatro Viriato foi demasiado: dirigir, produzir, criar. Não há ninguém que o consiga fazer. Quer dizer, o Rui Horta conseguiu no Espaço do Tempo. E o Tiago Rodrigues, mas ele tem uma qualidade genial, e tem de ter uma equipa maravilhosa que lhe deu espaço para isso. De outra forma perde-se o foco.
Gostava de ocupar um cargo de direção numa instituição nacional caso tivesse uma equipa dessas?
Há dois teatros nacionais. Para a dança não há nada. É preciso batalhar. A Companhia Nacional de Bailado (CNB) não cumpre esta função. Mas fiquei contente com a nomeação de Carlos Prado. É uma pessoa da casa, um excelente pedagogo e mestre de bailado e conhece bem a cena nacional e internacional. Mas para que cumpra a ambição que tem necessita de um orçamento quatro vezes maior. E precisava de um elenco maior. A Companhia Nacional de Bailado tem 70 bailarinos, mas apenas uns 40 estão operacionais. Para que se tenha uma noção, a Ópera de Paris tem um orçamento igual a todo o Ministério da Cultura português.
O orçamento para a Cultura parece-lhe curto?
A partir de um certo momento nós ficamos arredados. À espera para ver. Mas não há milagres. É preciso um investimento sério na Cultura. Vivemos num país com dificuldades enormes e estamos a sair de um período de ressaca.
Como ficou com a Casa da Dança de Almada?
Anunciei que sairia em julho do ano passado e saí em dezembro. Passei-a a um casal de brasileiros, Adriana Grechi e Amaury Cacciacarro, que reside em Almada. Mas, continuo a fazer parte de um conselho consultivo. Para um projeto estar de pé é necessário definir prioridades.
Acha que Almada é o sítio ideal?
Almada é o local ideal para uma Casa da Dança central descentralizada. Lá, o público tem um nível cultural incrível. Para debater o modelo da casa convidei o João Fiadeiro, a Vera Mantero, o Francisco Camacho, o Rui Horta e a Aldara Bizarro. Quando deixei o projeto sei que eles foram convidados pela Paula Garcia para debater uma casa em Évora. Mas creio que o que seria necessário era uma casa que tivesse vários braços.
A Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses pode ajudar a solucionar este problema?
A rede depende da sensibilidade dos programadores. Mas temos boas possibilidades, com teatros bem equipados.
Os programadores têm pouca sensibilidade?
Vivemos o tempo da tirania dos programadores. A maioria dos programadores não responde. O Jorge Salavisa e a Margarida Perdigão sempre responderam a toda a gente. Muitas vezes as ideias vão-se desmembrando na sucessão dos pequenos poderes. O que aconteceu em Viseu, no meu tempo no Viriato, foi muito bom porque a Câmara e o Ministério delegavam, não era preciso estar a dar respostas a toda a hierarquia.
Então ninguém diz que não à sua companhia...
Claro que quando temos poder as coisas acontecem de uma certa forma. Já quando regressamos à cena independente... A sul de Lisboa, Loulé tem um trabalho muito forte, mas parece que o país está dividido em dois e tudo acontece a norte de Lisboa. Depois, os programadores também cometem o erro da voragem. A história dos novos talentos queima as pessoas. Há uma vontade constante de descoberta. Por exemplo, a Clara Andermatt tem um trabalho muito consistente e diz que tem esses problemas. Como se não houvesse segundas oportunidades.
Há um deslumbramento com a novidade?
É preciso dar a intérpretes e criadores uma base para crescer. Eu digo isto, mas a mim também me aconteceu. Eu de repente estava no Grande Théatre de Geneve com um elenco fabuloso de bailarinos, um maestro e uma orquestra com quem tinha de conversar. Não estava preparado para isso.
A pandemia deu-lhe tempo para criar?
Durante a pandemia fechei-me em casa e não criei nada. Tudo o que não queria era estar com pessoas. E é estranho: agora que voltei a trabalhar percebi que tinha perdido parte do reflexo de motivar as pessoas. E demorou [a recuperá-lo]. Houve um grande esforço de concentração da minha parte. É como um músculo: é preciso criar todos os anos. O último trabalho que fiz foi a cooperação da CNB com o Théatre de Chaillot em novembro de 2019. Foram praticamente dois anos sem criar.
Voltar atrás no repertório é importante?
Tenho 26 anos de companhia e 34 de repertório meu, espalhado pelo Nederlands Dans Theater I, Grand Théâtre de Genève , Centre Chorégraphique de Nevers, Ballet de Lorraine, Gulbenkian. A questão da memória e do repertório é essencial. Mas para isso necessitava de uma máquina de produção.
Neste regresso não lhe ocorreu concorrer à linha de apoio para os arquivos?
Gostava muito de recuperar o arquivo. Temos coisas fantásticas, como peças, ensaios, tournées, e também uma festa nas Twin Towers, em Nova Iorque, e uma digressão pela Croácia logo no ano a seguir à guerra.
Regressa a Viseu mas não ficará exclusivamente por lá.
Pretendo abrir à região toda: Viseu, Covilhã, Guarda, todo esse eixo. E se possível ao estrangeiro, mas à exceção de França, as pessoas que nos contratavam estão a reformar-se. Inglaterra e Alemanha fecharam-se e Espanha sempre foi difícil. A pandemia agudizou este problema.
Ainda há muito território para percorrer.
Portugal ainda é outro país no interior. Lembro-me que quando comecei tinha casas cheias em Lisboa e no Porto, e em Viseu atuei ao ar livre e tinha 20 pessoas no público, 15 delas da família [risos]. Atualmente, os inquéritos dizem que a dança é a atividade preferida dos públicos em Viseu. Quando fizemos os primeiros inquéritos no Viriato, a dança era a última.
A esta distância, consegue então ver que foi um bom trabalho?
Sim, mas piora com linguagens de dança mais difíceis.
Considera a sua linguagem de dança difícil?
Não. A minha linguagem da dança é para grandes públicos. Quando tenho mil pessoas a aplaudir-me de pé num teatro não posso dizer o contrário.