A edição de 2025 do Festival Literário de Guimarães - Húmus explora a relação entre intérpretes conhecidos da música portuguesa e a literatura.
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O renovado Teatro Jordão foi palco da conversa musicada entre Pedro Abrunhosa e a jornalista Sara Otto Coelho, esta terça-feira, no âmbito do festival literário da Cidade Berço. O mote para falar de literatura foi a frase de Raul Brandão, o patrono do festival: “As árvores para dar flor há-de-lhes doer”. O “escritor de canções” falou das coisas que as palavras não dizem, lançou propostas de leitura e terminou com uma versão jazzística de “Não posso mais”. Esta quarta-feira, às 21 horas, a última conversa musicada do Húmus leva ao palco do Jordão, Luísa Sobral e o jornalista Sérgio Almeida.
Para Pedro Abrunhosa, Raul Brandão foi um escritor que não teve o reconhecimento que merecia, “talvez por ser escuro e mostrar simpatia por aquelas que eram as causas progressistas da época, o republicanismo e o socialismo”. O autor de “Viagens” (1994) destaca na obra de Raul Brandão “Húmus” e “As Ilhas Desconhecidas”, como “uma escrita inclassificável, muito à frente do seu tempo”. Pedro Abrunhosa vê semelhanças entre o escritor português e o seu contemporâneo francês Céline, “pela forma como retrataram a miséria humana”.
Instado por Sara Otto Coelho a falar sobre a obra e o sucesso, preferiu distinguir as duas coisas. “Quando lancei o ‘Viagens’, não o fiz para o sucesso. Portugal vivia uma onda rock e eu lancei um disco completamente diferente”, ponderou. Confidenciou que vendeu tudo para financiar esse primeiro disco, “fiquei com a casa, uma cama e um telefone”. Recorda que o álbum foi rejeitado por todas as editoras e que só se salvou porque “Carlos Maria Trindade, teve a capacidade de ver mais longe”.
Mostrou-se muito crítico com a forma como “atualmente se lançam músicas diariamente na internet, à espera que uma pegue, para depois repetir a fórmula”. Pedro Abrunhosa considera-se um escritor de canções, “ até porque para ser um cantor teria de cantar bem”. Contra a voragem do tempo, lembrou que “a voz artística precisa de tempo”.
“Há mais poesia na dor, porque esta só pode ser resgatada pela arte”
Nas interpretações que pontuaram a conversa, ilustrou a “dor” como motor do processo criativo, com “Leva-me para casa”, um tema “escrito para um amigo que perdeu uma filha num acidente de viação e a “alegria” com uma versão jazzística de “Não posso mais” que levantou a assistência. Reconheceu, todavia, que “há mais poesia na dor, porque esta só pode ser resgatada pela arte”.
Num festival literário, não podiam faltar os livros recomendados e começou por “Tecnofeudalismo” de Yanis Varoufakis, pelo paralelismo que faz entre a relação que mantemos com as grandes tecnológicas e a que existia entre os servos da gleba e os senhores feudais. Para pensar sobre “certos exageros”, recomendou “A esquerda não é woke”, de Susan Neiman e, no âmbito da ficção, elegeu “Septologia”, a triologia do Prémio Nobel da Literatura de 2023, Jon Fosse.
Esta quarta-feira, às 21 horas, Luísa Sobral e Sérgio Almeida animam a última conversa musicada do Húmus, no Teatro Jordão, com entrada gratuita.