
Pedro Correia/Global Imagens
Polémica de Pedro Abrunhosa com a embaixada da Rússia não pára. Artista diz ao JN que "se nos calamos, os tiranos avançam". Artistas portugueses partilham fotos de Abrunhosa e lançam um abaixo-assinado de apoio ao cantor: "Juntos pela liberdade, sempre!".
Corpo do artigo
"Se nos calamos, os tiranos avançam. E há uma guerra, esta guerra da invasão da Rússia à Ucrânia, que está a trucidar tanta gente". Em declarações ao JN, o cantor e compositor Pedro Abrunhosa reaviva a polémica com a embaixada russa em Portugal, que condenou oficialmente, em comunicado, o seu discurso num concerto, e vinca, de novo, o direito à liberdade de expressão como necessidade vital: "O silêncio e o medo são as melhores armas da tirania", diz Pedro Abrunhosa.
O rastilho da polémica foi acendido a 2 de julho, num concerto em Águeda, onde o autor de "Talvez fo***" usou a canção, que fala de abusos e guerra, fome e fascismo, para criticar a invasão e o presidente russo Vladimir Putin. Abrunhosa não se limitou a "mandar fo***" Putin; pôs o público a gritar com ele "Vladimir Putin, go fuck yourself!". O público aplaudiu a braveza, repetiu a frase de Abrunhosa e gritou alto "para que se possa ouvir daqui até Moscovo".
"Provocações ignóbeis"
O artista de 61 anos recorda que nos seus concertos "já tinha dito aquilo muitas vezes antes" e que voltou a "repeti-lo muitas vezes depois".
Mas foi aquele espetáculo que fez estourar a controvérsia: 20 dias depois, a embaixada da Rússia em Lisboa emitiu um violento comunicado a condenar o artista que "se permitiu dizer várias coisas grosseiras e inaceitáveis sobre os cidadãos da Rússia, bem como os seus mais altos dirigentes".
Apontava que "as suas palavras, indignas do homem de cultura, foram ouvidas". E: "Gostaríamos de relembrar o senhor Abrunhosa que os seus gritos vergonhosos se enquadram em mais de que um artigo da legislação penal portuguesa, sendo que neste contexto informamos os órgãos competentes da aplicação da lei", lê-se no documento. E terminava com a ameaça: "Nenhumas provocações ignóbeis contra eles [cidadãos russos] ficarão sem resposta".
Abrunhosa leu o comunicado e reagiu de imediato: "É uma ingerência na soberania nacional", viu-a como "uma intimidação" e um gesto "absolutamente abjeto", apelando à resposta do Governo português.
O Governo, em comunicado, repudiou o "tom e conteúdo" da publicação da embaixada russa, destacando que "a liberdade de expressão, com particular ênfase no domínio cultural e artístico", tem "um valor inalienável em Portugal".
Abrunhosa agradeceu o apoio materializado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e agora, em novas declarações ao JN, conclui: "Temos que perceber que isto é sério! É uma ameaça à liberdade de expressão em Portugal".
Esta sexta-feira, o cantor atua em Pombal e promete coerência artística: "O que está em causa é combater com palavras a violência sobre civis. Palavras não tiram olhos, não arrancam fígados ou pernas como granadas. Palavras são palavras, bombas são bombas", explica.
"a minha voz não é a tua"
Mas a polémica, muito acesa nas redes sociais, teve outro episódio: esta semana, a atriz São José Lapa escreveu no Facebook: "A minha voz não é a tua voz, Pedro Abrunhosa. Aliás, tu nunca tiveste voz. Nunca! Bem podes dizer vitupérios nos teus concertos. Estou-me nas tintas, se até as Pussy Riot já se tornaram pornográficas. Força".
Depois disso, e após São José Lapa ter escrito novo texto a sublinhar a "desumanidade de Putin", diversos artistas, como José Cid, Carolina Deslandes, Agir ou David Fonseca estão a partilhar nas redes sociais uma foto de Abrunhosa e um texto que critica a "ameaça inaceitável" da embaixada russa "num país democrático como Portugal", a que juntam a hashtag #SomosTodosAbrunhosa ou #JeSuisAbrunhosa.
"Não foi só o Pedro a ser intimidado, foi toda a classe artística nacional", diz o texto, intitulado "Juntos pela liberdade, sempre", que aponta: "A intimidação não nos calará, pois no dia em que o medo nos cale a voz, viveremos na escuridão", destaca a publicação.
"Todos pelo Pedro, pela democracia. Não a ameaces", apelou a popular apresentadora Catarina Furtado.
Na defesa de um artista de referência do Porto, o autarca Rui Moreira aliou-se ao movimento solidário e escreveu no Facebook: "O Porto será sempre uma terra da liberdade, em todas as suas dimensões".
Outras causas de Abrunhosa
"Não posso mais" e os protestos na Ponte 25 de Abril
A canção "Talvez fo***" vincou o discurso político de Abrunhosa no concerto de Águeda. Mas não foi a primeira vez que o cantor usou a música como arma crítica contra líderes no poder. No seu ano de estreia, 1994, fê-lo contra Cavaco Silva com a canção "Não posso mais", que alvejava o então primeiro-ministro, a braços com o bloqueio da Ponte 25 de Abril e os massivos protestos que se seguiram há 28 anos.
Contra a IURD, algemou-se ao Coliseu em 1995
Conhecido pela rebeldia, Abrunhosa não olha a meios para defender as suas causas. É o caso do Coliseu do Porto: em 1995, o artista algemou-se às grades da sala de espetáculos para impedir a sua venda à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que queria fazer ali um local de culto. Há oito dias, Abrunhosa voltou ao tema do Coliseu - e alertou para o perigo da concessão da sala portuense aos privados.

