“Mosaico” é o novo disco do experiente guitarrista, que regressou ao processo criativo depois de vários projetos de homenagem.
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Sozinho, em trio, no teatro, sempre bem acompanhado e a acompanhar, Pedro Jóia, 53 anod, não larga o amor da sua vida desde tenra idade. Da guitarra esmiuçou a sua elasticidade, apaixonando-se primeiro pelo flamenco, depois aprendeu o gosto por outros vertentes.
A vida profissional tem sorrido ao instrumentista. Em 30 anos de carreira, viu as suas composições subirem às luzes da ribalta. O mais recente é devido a “Mosaico”, o seu sétimo disco, editado pela Sony Music Portugal, a 23 de fevereiro, disponível em todas as lojas e plataformas digitais.
Para chegar à musicalidade que aqui desdobra, é necessário retroceder no tempo. Após o álbum de tributo “Zeca”, editado há quatro anos, Pedro Jóia, em entrevista ao JN, revela como “tem sido uma aventura”.
Iniciou um projeto em Itália com a companhia de teatro Pippo Delbono, sendo convidado a compor temas originais para a peça “Amore”. O sucesso é tal que já vai na quarta temporada. Pelo meio percorreu o mundo ao som de “Zeca”, no âmbito do circuito de consulados e embaixadas, ainda alcançado o primeiro lugar no top de vendas nacionais.
Reportórios em homenagem não são novidade para Pedro Jóia. O primeiro “Variações sobre Paredes”, de 2001, marcou esta outra fase da sua carreira. Seis anos mais tarde, em 2007, transcreve para guitarra clássica as obras de Armando A. Freire.
Versátil na linguagem que emprega na guitarra, possibilitou construir uma carreira onde é reconhecido pelas mais variadas colaborações, de muitos feitios e formatos. Com os tributos, “À espera do Armandinho” e “Zeca”, Jóia foi vencedor do Prémio Carlos Paredes.
Regresso a solo
Durante a pandemia, o músico, tal como muitos, aproveitou a quietude para “preparar alguns dos temas do novo álbum”. A demora pode ser explicada pelo amadurecimento do compositor e pela necessidade de reorganizar as suas prioridades.
“Na verdade, este disco foi sendo construído aos poucos, não foi todo de uma vez. Só finalizei o último tema há seis meses. Gravei tranquilamente, sem pressa, sem pressão”.
Um novo disco repleto de sonoridades inéditas já tardava, sendo as últimas publicadas no “Vendaval”, álbum do Pedro Jóia Trio, editado em 2017. Os anos seguintes, dedicados a outros, afastaram-no do processo criativo. A conclusão é unânime, já estava na hora de “voltar à minha música, à minha origem enquanto guitarrista, às minhas raízes musicais”.
O regresso às origens não passa por contar uma história, mas demonstrar diferentes traços da musicalidade, absorvidos desde a primeira vez que dedilhou as cordas de uma guitarra aos 7 anos. “Por isso é que chamo este disco de mosaico”.
"Mosaico" é composto por dez temas, cada qual distinto. “Primeiro porque é mediterrâneo, e depois porque cada peça é diferente. Até se as juntar. Assim, visto à distância, até começa a fazer algum sentido. Foi isso que aconteceu com este disco, são tudo filhos quase desirmanados, mas que todos juntos fazem uma grande família”.
Filhos, é como considera o músico as suas composições. Autênticos descendentes que perduram o legado do mestre. Por as ver assim, admite que, como qualquer pai, não pode defender favoritismos. “Eu diria que é difícil, entre dez filhos, escolher um”. E não escolheu. Apenas mencionou “Ícaro”, por ser o “primogénito e o primeiro single do disco”.
“Dar um título a uma peça instrumental é sempre algo um bocado vago”, admite o guitarrista. Toda a arte é subjetiva e evoca diferentes emoções, até mesmo imagens contraditórias que agitam consciências.
Amante de mitologia grega, ao compor esta peça imaginou a lenda de Ícaro, esmiuçando a ideia de um ser libertário, ansioso por chegar ao inatingível, ao sol. Porém, foi prematuro na escolha de material. Por escolher asas de cera, a cada bater, derretiam mais umas gotas.
“Sinto que este tema reflete esta luta por dar um passo em frente, sempre a tentar algo de novo, mas por vezes sem qualquer sucesso”, tal como Ícaro, reflete essa vontade por chegar-se a um destino, decalcando principalmente o momento de perseverança.
Do passado ao presente
O músico acredita que um dos males de todos os artistas é não conseguirem afastar-se da paixão pelo ofício. A disciplina férrea necessária para manter a destreza de profissão obedece a uma rotina ingrata.
“Aos 25 anos queremos engolir o mundo, tocar 12 horas por dia, os sonhos são quase desmesurados. Depois com os anos vamo-nos situando, o mundo encolhe, mas não num mau sentido. Compreendemos o nosso lugar no mundo e lidamos bem com isso. É aqui neste ponto que me encontro agora”.
O instrumentista confessa que se reflete principalmente na construção das suas apresentações em palco, pois não gosta de limitar o seu reportório a apenas um álbum, incluindo temas de todas as suas obras.
“Nos meus concertos, na verdade, não apresento só um disco. Toco um pouco de tudo, ou seja, da minha história. Carrego a bagagem toda para os concertos, porque gosto de presentear o meu público com as coisas antigas que gravei e que mais gosto de tocar”.
O segredo, partilha Jóia, é filtrar e “tocar o que realmente me interessa”. “Aqui, sim, são os meus filhos favoritos que vão para palco. Porque estes já são filhos muito crescidos, que já me levam a almoçar”.
Ao futuro
Abril vai ser preenchido de concertos com o percussionista José Salgueiro e apresentações do “Mosaico” no palco internacional. De Macau, à China, à Índia, Pedro Jóia passará o próximo mês do outro lado do mundo. “Vem aí uma longa estrada pela frente”, partilha com entusiasmo. “Tenho os próximos meses para pôr este concerto na rua”.
Menos na primeira semana, enquanto dá tiro de partida à oitava edição do Soam as Guitarras, junto de Tim, dia 4, às 21.30 horas, no Auditório Municipal Eunice Muñoz, em Oeiras. No âmbito deste festival, a dupla inesperada passará ainda pela Póvoa de Varzim, dia 17de maio, no Cine-teatro Garrett, e ainda para encerrar o festival no mesmo mês, dia 29, no Fórum Municipal Luisa Todi, em Lisboa. Os bilhetes ainda não estão disponíveis.
Fora da parceria com o membro dos Xutos e Pontapés, Pedro Jóia promete levar para palco as primeiras apresentações do novo álbum, só que não em destaque, pois o compositor confessa que ainda não se sente preparado para levar este disco aos grandes concertos.
“Não quero fazer um concerto no Porto antes do outono. Quero amadurecer muito este reportório, que ainda está muito à flor da pele. Precisa de baixar a poeira para o conseguir interpretar de uma forma menos nervosa”, diz.
Para o músico, é importante rodar “Mosaico”, até sentir a ausência do “obstáculo da técnica, sem a ansiedade que ela impõe. Quando isso estiver no subconsciente, a musicalidade toma conta de tudo e é esse o momento mais interessante”.
Num futuro mais longínquo, Pedro Jóia partilha ao JN o desejo de regressar ao trio. “Estou com muitas saudades de tocar com eles”. Para já está e continuará “aberto a todas as colaborações, porque estou sempre a receber convites”. Admite até que “o que falta é tempo para começar projetos novos”.
“Não me apetece e não quero voltar a trabalhar intensamente com um cantor, como já fiz com a Mariza durante sete anos ou com o Ney Matogrosso”, confessa muito rapidamente.
Jóia e a guitarra
A cumplicidade evidente do músico pelo seu instrumento de eleição coloca-o no apertado centro do panorama instrumental da música portuguesa. “A música instrumental tem sempre um lugar mais marginal na música, porque o primeiro apelo das pessoas é a voz e compreendo isso perfeitamente”, justifica.
“Continuo a achar que a música instrumental é sempre um parente pobre da música em geral, digo isto em termos de exposição mediática. De certa forma até arrisco dizer que o espaço da música instrumental no espaço mediático português mingou ainda mais”.
Defende a sua visão, recordando um “fenómeno que seria absolutamente impossível atualmente”. Nos anos 80, a música clássica em Portugal tomou proporções inimagináveis, como foi o caso de Júlio Pereira, multi-instrumentista, e Rão Kyao, flautista, quando as salas esgotavam e os discos chegavam a platina.
No fundo, já é sabido como os músicos transpiram paixão e uma cumplicidade transcendente com os seus instrumentos. Muitos, iguais a Jóia, encontraram rapidamente o amor eterno. Talvez por isso, mesmo respeitando os colegas, o guitarrista encosta ao peito o seu instrumento, acima de todos. “A guitarra é um instrumento que estando ali quieto não vale nada, mas que, quando interagimos com ele, vale tudo. Portanto, tenho um enorme respeito pelo instrumento”.
“A guitarra é um instrumento muito homónimo e autossuficiente”, revela ao JN acerca do seu processo artístico, para demonstrar a importância de manter em mente a independência que a guitarra representa.
É exatamente com esta demonstração de paixão e dedicação que o músico virtuoso leva a sua guitarra consigo para a estrada, prometendo ecoar dela um reportório diversificado, retirando da sua pesada bagagem os seus filhos favoritos.