Marcelo Lafontana olha com humor para as aventuras de “Peregrinação”. Peça de teatro com marionetas e cinema está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, até 4 de abril.
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É obra para inserir entre as forças mais extremistas da atualidade, sugere Marcelo Lafontana, criador de “Peregrinação”, espetáculo que adapta livremente o texto de Fernão Mendes Pinto publicado em 1614, 30 anos após a morte do autor: “O populismo de direita, que mitifica a História de Portugal; e os excessos do politicamente correto, na sua vigilância sobre a linguagem”. O espetáculo estreia esta sexta-feira no Teatro Carlos Alberto, no Porto, às 15 horas, e tem récitas até ao dia 4 de abril.
O anti-herói encarnado pelo explorador, missionário, pirata e escritor que entre 1537 e 1558 navegou pelos mares do Oriente, testemunhando o ápice da expansão marítima portuguesa e descrevendo as múltiplas aventuras em que se envolveu – “treze vezes cativo e dezassete vendido” –, muitas delas suscitando dúvidas sobre a sua veracidade, foi protagonista do livro de viagens da literatura portuguesa mais traduzido e divulgado no Mundo, logo a seguir a “Os lusíadas”.
“Foi mal visto durante o Estado Novo, porque fazia um retrato dos portugueses pouco consentâneo com a propaganda oficial”, diz Lafontana. A esta imagem picaresca dos navegadores, movidos pela ganância e capazes dos atos mais vis, junta-se a visão da época, tida aos olhos de hoje como preconceituosa sobre os povos orientais. O encenador fez disto uma grande pândega.
Desde logo porque o espetáculo se destina também a público escolar a partir dos 6 anos. E porque os intérpretes são “toy papers” – pequenas marionetas de forma quadrada que evoluem num dispositivo que cruza cinema e teatro.
Lafontana manipula, a partir de uma espécie de carrossel instalado no palco, as figuras e os cenários que são projetados numa grande tela, num processo em que “as imagens são recolhidas por um sistema informático que promove o seu tratamento, montagem, mistura, sonorização e inserção de efeitos especiais, tudo em tempo real”, explica o criador.
“Peregrinação” é teatro de papel bem-humorado e arejado, que olha com lucidez para o que poderá representar hoje a obra de Fernão Mendes Pinto.