Duo britânico foi quem chamou mais gente ao primeiro dia do MEO Kalorama 2025, onde também brilharam Father John Misty ou Sevdaliza.
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Formados em Londres em 1981, autores de temas que são também banda sonora da vida de muitos, registados no Guinness Book of Records como a dupla de maior sucesso na história da música do Reino Unido, detentores de tantos singles que há um site que os organiza por ordem alfabética, Neil Tennant e Chris Lowe, ou Pet Shop Boys, só tinham incrivelmente estado em Portugal três vezes, antes desta quinta-feira: a primeira em 2004, a última há dois anos, no Primavera Sound Porto.
São anos, décadas, de ausências de uma banda que por cá sempre foi acarinhada, talvez não com a euforia de outras congéneres ou contemporâneas, mas definitivamente seguida e apreciada, para muitos marcante. Agora em plena digressão de “maiores êxitos”, a Dreamworld tour, a mesma que os levou em 2023 à Invicta, o duo aterrou no primeiro dia do MEO Kalorama 2025 como se à frente deles houvesse um portal: entre todo o ruído, a variedade, o calor, o frio e o cansaço, o portal para um tempo diferente, onde um sintetizador e uma voz marcante desenhavam canções intemporais.
Com a difícil tarefa de resumir quase 45 anos de carreira em menos de duas horas, Neil e Chris Lowe fizeram os impossíveis: marcados para as 22.45 horas, com uma pontualidade britânica, “Suburbia” é tema de entrada, e é impressionante como, se brevemente distraídos, a voz de Tennant nos parece exatamente igual, mas tão igual, a de quando esta e outras músicas passavam na rádio ou tv, circa anos 90.
Em palco, o duo apresenta-se primeiro de longas capas brancas, óculos futuristas, uma espécie de antenas – haveria tempo para várias mudas de figurino – e logo depois de “Can you forgive her?”, ao terceiro tema, “Opportunities”, o vocalista dispensava os óculos e abria um largo sorriso ao público.
“Somos os Pet Shop Boys e esta noite vamos a um mundo de sonhos e a um mundo de música e memória”, dizia Tennant também em referência ao nome da digressão, antes de “Where the streets have no name” mixado com “Can't take my eyes off you", a maior multidão do primeiro dia do Kalorama, ainda assim não lotado, entregue à dança e às memórias.
Entre trocas de roupa, elogios a Portugal e à “cidade linda que é Lisboa”, imagens do duo nos anos 80 nos ecrãs, ou fundos mais abstratos, “obrigados” em português, a noite foi correndo: teve os clássicos todos, teve “Rent” e “Domino dancing”, “Always on my mind” ou “It’s a sin”, o último “Being boring”, sendo que em certos pontos, de tão alinhado que estava o concerto, pela urgência entre tantas músicas marcantes, apenas se perdia um pouco da magia no corrido.
Ainda assim: dois sexagenários – Tennant terá já 70 anos, reza a lenda, mas fica difícil de acreditar – a encher facilmente um palco e um recinto de fãs, uma clara química mútua, uma notória entrega, um som e um concerto irrepreensível, dos gurus britânicos do synthpop.
Father John Misty, um deus do indie rock
No tema ‘gurus’, eis Father John Misty, profeta da música, trovador, há muito a voz de uma América dividida e um pouco perdida, alter-ego do cantor e compositor nascido há 44 anos em Maryland, Josh Tillman: no palco principal, antes dos Pet Shop Boys.
Depois de várias passagens marcantes pelo nosso país, trazendo desta feita o disco “Mahashmashana”, Father John foi igual a si mesmo – o que no seu caso é sempre bom: fato preto, camisa branca, óculos de sol, madeixas grisalhas no cabelo e barba, e perante um público crescentemente envolvido, Mister Tilman tocou uma hora, lançada por “I guess time just makes fools of us all”, seguida de “Josh Tillman and the accidental dose” ou “Nancy from now on”, sempre as letras, incisivas, ou românticas, profundas, ou sarcásticas.
“Muito obrigado, é bom ver-vos”, dizia entre temas, entre ginga de ancas, entre rock pejado de blues e arrebatadores temas mais introspetivos como “Screamland”: olhos perfurantes focados no público, mão no ar como a pedir para falar, letra a dizer como “o otimista jura que a esperança morre por último” e como o “amor deve encontrar um caminho”. “Mental health” e “Mahashmashana” mostram-nos como, sempre e no novo disco, em Father John Misty as músicas têm tempo, crescem, desenvolvem-se, mudam, agigantam-se. Uma raridade, uma gema nos tempos atuais. “I love you, honey bear” fechou, e se há melhor música para o pôr do sol e cair de noite quente de Verão num anfiteatro natural, é possível, mas fica difícil de lembrar.
De um deus do indie rock para uma deusa do trip-hop/ dance/ reggaeton, no palco secundário começou logo de seguida Sevdaliza: ou Sevda Alizadeh, compositora e ativista iraniana-holandesa que depois de um concerto marcante no Sónar Lisboa do ano passado, trouxe ao Kalorama a sua mistura única de sonoridades, o seu exotismo cada vez mais seguro, mais ampliado.
Gigante em palco, calções curtos, botas longas, “Heroína”, título de novo single, na t-shirt, a artista passou por temas novos e antigos, meio dançarina, meio robótica, êxitos como “Oh my god” e “Alibi”, pedindo ao público português para cantar, sobretudo na parte em português do Brasil de Pablo Vittar de um dos temas mais populares do último ano.
“Lisboa, make some noise”, pedia a multifacetada artista iraniana-holandesa, que se tornou num nome de referência logo a partir do álbum de estreia de 2017, “ISON”, sendo um dos nomes fortes do cartaz deste ano, notório o muito público que foi para a ver.
Às influências díspares do trip-hop, r&b e clubbing pop dos primeiros trabalhos junta-se agora reggaeton, industrial, mais dança na música da iraniana, mas é a sua presença em palco que complementa o espetáculo, sendo exótica, hipnotizante.
Na primeira noite de Kalorama 2025 houve ainda tempo, no palco secundário, para “L’imperatrice”; e, no principal, para nova celebração dos Flaming Lips ao icónico disco "Yoshimi Battles the Pink Robots", de 2002: a habitual experiência exuberante, mistura de som, energia, insufláveis e teatralidade.
“Demorámos 36 horas para chegar aqui, mas estamos aqui e prontos a rockar”, escrevia o grupo de Wayne Coyne no Instagram, poucas horas antes do concerto, com uma imagem de um avião e do aeroporto de Lisboa. Prontos a rockar, voltaram a entregar tudo aos fãs resistentes ao avançado da hora.
Até sábado, há mais música para ouvir na Bela Vista: esta sexta-feira, FKA Twigs, Scissor Sisters e Róisín Murphy, entre outros; e, no sábado, Noga Erez, BadBadNotGood, Royel Otis, Jorja Smith e Damiano David.