Pete Docter, diretor criativo da Pixar, fala ao JN sobre a nova aposta da companhia, “Elemental”, já nas salas nacionais, e diz que o futuro "é hoje tão desconhecido como sempre foi".
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Já está nas salas a 27ª longa-metragem de animação da Pixar, “Elemental”. Na cidade de Elemento, vivem personagens feitas de água, ar, terra e fogo. Quando se pensava que não se podiam misturar, a amizade entre dois jovens vai provar o contrário. Desde o primeiro “Toy Story” na companhia, Pete Docter é hoje diretor criativo na Pixar e esteve a falar com o JN.
Quais foram os principais desafios tecnológicos desta produção?
Cada plano em cada filme da Pixar é um efeito especial. Neste caso, literalmente cada plano, porque as personagens são feitas de fogo e água. Não se podia produzir uma imagem e esperar que funcionasse logo. Havia sempre qualquer cosia a fazer para que estas personagens funcionassem. Os rostos, as expressões, demoraram muito tempo a alcançar. Olho agora para o filme e há coisas impossíveis de fazer há cinco anos.
As expectativas são sempre muito altas, quando a Pixar lança um novo filme. É cada mais difícil surpreender o espectador?
É verdade. É inevitável, ao fim de 27 filmes. É difícil não nos repetirmos. É sempre um desafio. Estamos sempre a meter gente nova na companhia, vindas de diferentes escolas. E fazemos muitas projeções. Nós somos os nossos primeiros espetadores. E somos muito duros com nós próprios.
Já pensaram em utilizar Inteligência Artificial na produção dos vossos filmes?
Na realidade já começámos. Cada plano demora imenso tempo a ser processado pelo computador. Temos um gerador de Inteligência Artificial que permite acelerar o processo. Esse é só um exemplo, mas há muitas outras possíveis utilizações que começámos já a experimentar. Menos onde não funcionam, na criação da história e das piadas.
A parte da criação da história é sempre o mais importante?
É sempre a parte mais difícil. E a mais divertida. O mais importante nos nossos filmes são as personagens. Normalmente têm origem no realizador e na sua equipa de argumentistas. As personagens já lá estão quando chegam os animadores e os atores que lhes dão voz.
Como é que se desenrola o processo de criação gráfica das personagens?
Neste caso o realizador, o Peter Sohn, fez uns primeiros desenhos das personagens. Depois construímos essas personagens no computador e começámos a testá-los. Há um enorme trabalho antes de entrarmos propriamente em produção.
O filme é para ser visto em 3D. Como vê o futuro desta tecnologia?
É uma experiência imersiva para o espetador. E como os bilhetes são mais caros, é bom para o negócio. Mas o Santo Graal dos 3D é o 3D sem óculos.
Começou a trabalhar na Pixar no primeiro “Toy Story”, foi realizador, agora é diretor criativo da companhia. Como é que vê o futuro da Pixar?
O futuro é hoje tão desconhecido como sempre foi. Vamos dando um passo de cada vez. Estamos excitados com os projetos que se vão seguir. Temos mais diversidade, quer na nossa equipa quer no que se vê no ecrã. É importante, porque reflete o mundo em que vivemos e oferece-nos outras perspetivas. As pessoas estão fartas de sequelas, querem algo de novo. É esse o caminho que queremos percorrer.
A Pixar já começou a trabalhar em séries de televisão. É outro passo importante para a companhia.
Começámos a trabalhar na série desde que a Disney+ foi anunciada e nos foi pedido material para o streaming. Ao princípio estava um pouco relutante, mas as oportunidades que se abrem com este novo formato são realmente extraordinárias. Aos poucos, já nos habituámos ao streaming.
As audiências também mudaram muito. Um jovem de hoje não é o mesmo de um jovem de há 30 anos. Têm isso em atenção na hora de escrever as vossas histórias?
Não costumamos pensar no que os miúdos possam vir a gostar. Seríamos multimilionários se o soubéssemos. A nossa abordagem tem sido trabalhar com realizadores que tenham coisas para dizer. Como a maior parte deles são muito jovens, espero que estejam em sintonia com o que os jovens de hoje gostam de ver. Mas desde o início que não pensamos em fazer filmes para miúdos. Fazemos filmes para nós próprios. No meu caso, como cineasta, trabalho com coisas que têm a ver com a criança que há dentro de mim.
Qual é exatamente a sua função como diretor criativo? Não sente a falta da escrita ou da realização?
Espero continuar a escrever histórias. Mas uma boa parte do meu trabalho é com os argumentistas. Sou como um editor é para um escritor. E tem sido uma oportunidade incrível para compreender melhor aspetos da indústria que não conhecia.