Uma preciosa antologia de W. S. Merwin, nome essencial da poesia norte-americana do século XX.
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Há na poesia de W. S. Merwin (1937-2019) a sabedoria própria dos que interrogam o mundo sem terem a pretensão da resposta fácil, munidos apenas dos melhores instrumentos para esse exercício: a memória e o silêncio.
Na primeira antologia do poeta publicada em Portugal, traduzida e organizada por Jorge Sousa Braga, a força gravitacional destes textos é-nos transmitida sem necessidade de recurso aos grandes artifícios (pseudo) metafóricos em que assenta tanta da poesia contemporânea.
Tudo na escrita despojada de Merwin nos induz a um estado de serenidade que não deve ser, todavia, confundido com qualquer simplismo 'new age'. É uma visão da natureza construída a partir do seu íntimo, na qual o Homem é apenas um dos seus elementos, e nem sequer o mais relevante.
A ideia de que o Mundo prossegue, indiferente às ilusões e vaidades humanas, radica fortemente em textos que se vão insinuando aos poucos em quem os lê como uma prece isenta da adoração de divindades: “não há tempo embora o tempo custe a passar / há o som da chuva à noite / ao cair nas folhas sem se fazer anunciar / uma vez sem antes ou depois / ouço então o tordo que acorda / ao amanhecer cantar a nova canção”.
Muito antes de a consciência ambiental se ter tornado um”diktat”, grande parte das vezes adotada por simples modismo, já o poeta norte-americano vertia para os seus livros uma visão plena do mundo em que a natureza nos surge não como Éden perdido, mas enquanto meio regenerador de uma humanidade perdida nos seus conflitos e contradições.
Em poemas como “Para uma próxima extinção”, o poeta, que chegou a passar uma temporada em Portugal no ano de 1949 como preceptor de membros da Casa Real, partilha com o leitor a visão de uma baleia cinzenta ameaçada pela ação humana, confrontando-o posteriormente com o vazio que daí resultará quando já não restarem vestígios da sua passagem pelo planeta, “deixando para trás o futuro / morto / e o nosso / quando nunca mais puderes ver / as pequenas baleias habituando-se à luz”.
Distinguido com os mais importantes prémios literários do seu país – recebeu por duas vezes o título de Poet Laureate of the United States –, Merwin escreveu até aos últimos dias com o firme propósito de fazer da sua poesia um território tão vasto como o mundo pode ser.