Para quem gosta de uma boa mistura de humor e mistério, a série “Polar Park” é uma proposta imperdível. Criada e realizada por Gérald Hustache-Mathieu, trata-se de uma adaptação livre do seu filme “Poupoupidou”, estreado em 2011, agora no formato de mini-série.
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São seis episódios de 45 minutos, estreados em França pelo canal Arte, com um sucesso fenomenal e que podem ser vistos agora entre nós no canal AMC. A história segue David Rousseau (interpretado por Jean-Paul Rouve), um escritor de romances policiais de sucesso com um grande bloqueio criativo, que um dia recebe uma misteriosa mensagem que o faz regressar à sua terra natal, Mouthe, conhecida como a mais fria da França, para investigar um mistério relacionado com sua falecida mãe. Uma vaga de mortes atribuídas a um assassino em série com alma de artista, surge como uma excelente oportunidade para inspirar Rousseau e ajudá-lo a escrever o novo romance, no que será ajudado pelo agente Louvetot (Guillaume Gouix), com o objetivo de penetrar na mente criativa do assassino em série. O JN foi a Paris falar com o criador da série.
Parece que a série foi muito bem recebida em França.
Foi um sucesso enorme. No canal propriamente dito foi vista por mais de milhão e meio de pessoas e na plataforma teve mais de sete milhões de visualizações. Com a série o canal Arte conseguiu rejuvenescer a sua audiência, ficaram imensamente satisfeitos.
Vai haver uma segunda temporada?
No Arte têm uma política de nunca fazer segundas temporadas. Mas o sucesso foi tão grande que nos pediram para ou imaginar outra série diferente ou uma continuação desta, mas que não seja uma continuação direta. Qualquer coisa dentro do mesmo universo. Mas, a acontecer, só será emitida dentro de dois ou três anos.
Já tem ideia do que poderá ser essa nova série?
Pode ter as mesmas personagens principais, mas ter também personagens novas. Tenho uma grande vontade de fazer outras coisas com esta personagens. Quando as escrevi para o filme não me tinha apercebido que tinha criado uma nova dupla, na linha de Sherlock Holmes e o Dr. Watson. A dinâmica das personagens é incrível e a química dos atores alimenta-a ainda mais. É mágico filmar a cumplicidade entre eles. Há algo de sincero, de autêntico, de humano que torna a série tão viva.
Porque decidiu regressar ao universo de “Poupoupidou”?
Originalmente, queria fazer uma série. Depois de ver o “Twin Peaks” queria fazer uma série com elementos bizarros. Queria fazer o meu “Twin Peaks”. Em França nunca tinha havido uma série assim. Na altura, tive de transformar essa ideia de série num filme. Disse logo aos atores que a minha ideia tinha sido de fazer uma série e ficaram entusiasmados.
Como convenceu o Arte a avançar para a série?
As séries americanas, como o “Twin Peaks”, abriram a porta a séries mais de autor, mais originais, com a exigência do cinema. E tornou-se uma evidência regressar a estas personagens, que adoro tanto. E adoro onde se passa, os ambientes. Tinha vontade de os reencontrar.
Sente-se ao ver a série não só a influência de “Twin Peaks” mas também de “Fargo”, dos irmãos Coen.
Eu sou um cinéfilo bizarro, porque no geral os cinéfilos veem os filmes todos. Eu não vi tantos filmes como isso, mas todos os filmes, todos os realizadores que admiro, marcaram-me profundamente. À cabeça, os filmes de Woody Allen, de David Lynch, de Almodóvar. Todos os filmes dos irmãos Coen. Todos os cineastas visuais, mas também próximos das pessoas, com uma certa humanidade.
Em que sentido o marcaram?
É como se fizessem parte da minha vida e das minhas próprias recordações. Talvez tenha sonhado a minha vida, mais do que realmente vivê-la. Que a tenha sonhado na ficção. Tenho a impressão de ser mais verdadeiro na ficção, de ser mais eu do que no mundo real. No final dos três meses de filmagem, quanto voltei para casa, tinha a impressão que tudo à minha volta era falso, que o mundo real era o que tinha deixado para trás.
Poderia dizer que o universo de Stephen King também está presente?
Nunca li um livro do Stephen King e no entanto conheço-o bem. O primeiro encontro com o universo dele foi no filme do Carpenter, “Christine”. Tinha 13 anos, fiquei perturbadíssimo. E depois o “Shining”. Através destas histórias fui-o conhecendo. E interessei-me pelas entrevistas que dava, onde era brilhante. Mas há sempre qualquer coisa quando vou ler um livro dele. Tenho mesmo de o fazer, porque é uma personagem que me fascina. Mesmo sem os ter lido acho que podia adaptar um dos seus livros.
O que a televisão lhe deu que não encontrou no cinema?
A série dá-me tempo. Para a narrativa e para desenvolver as personagens. Este universo depende muito dos detalhes e de coisas que se passam ao lado. São os detalhes que fazem o essencial das coisas. O que se passa ao lado conta muito. Um filme, com a sua duração mais limitada, obriga-nos a ir logo ao essencial.
E do ponto de vista financeiro? No geral há menos dinheiro para fazer um episódio de uma série do que para um filme.
Há mais limitações, o estilo de um cineasta vem também daí. Quando não se consegue fazer de uma maneira, faz-se de outra. É isso o estilo. Quando não se consegue ir por um determinado caminho, somos obrigados a encontrar uma solução. Que será sempre mais pessoal. Na série encontrei soluções que finalmente são mais originais que no filme.
Pode dar um exemplo?
Quando escrevi o guião tinha muitos carros que circulavam. O primeiro assistente, quando fez o plano de trabalho, disse-me que um plano dentro de um carro durava pelo menos uma ou duas horas a preparar e a filmar. Na televisão, há mesmo produtores que dizem para não escrever nenhuma cena com carros em movimento. Como não tínhamos tempo, era necessário retirar essas cenas. Acabei por escrever a cena de abertura num carro que, por causa da neve, não consegue arrancar, o que acaba por ser mais original.
A dinâmica entre as personagens é também um dos segredos do sucesso da série.
Todas as personagens da série têm um sonho maior do que a vida que levam. Todas desejam ser outra pessoa. Como a rapariga do hotel que vê vídeos para se tornar mais sociável. No fundo o segredo do sucesso da série é que toda a gente se reconhece nestas personagens. Estão todas um pouco à margem, são um pouco bizarras, mesmo falhadas. Mas, no fundo, a única solução que têm é serem elas próprias.