O 11.º festival de cinema documental Porto Post Doc arranca dia 22 de novembro no Batalha Centro de Cinema, com centenas de filmes e atividades. Este ano, há um convidado especial: Lee Ranaldo, vocalista e guitarrista dos Sonic Youth, vem ao Porto.
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A nova edição do festival de cinema Porto Post Doc (PPD), de 22 a 30 de novembro, propõe uma reflexão profunda sobre o estado atual da Europa, questionando os valores democráticos e as consequências das crises contemporâneas. Sob o tema "Movimento dos povos", a programação deste ano divide-se em três partes, destacando-se por temas provocadores.
A primeira, "A Europa não existe, eu estive lá", inicia a discussão sobre a identidade europeia e os seus desafios, numa trilogia. As próximas edições abordarão "O tempo de uma viagem em 2025" e "O país dos outros", em 2026, sugerindo um futuro incerto e em constante transformação.
A revelação do programa do PPD 2024 foi feita na manhã desta quarta-feira, por Dario Oliveira, diretor artístico do certame portuense, acompanhado por Sérgio Gomes, da direção executiva do PPD, e Guilherme Blanc, diretor do Batalha Centro de Cinema.
Além da temática principal, o festival oferece uma variedade de programas, como o "Tour d'Europe", que exibe filmes premiados de coprodução suíça, em colaboração com a Swiss Films. Outra novidade é "Cinemateca ideal dos subúrbios do mundo", com foco no cinema emergente de França, concebido pela cineasta Alice Diop.
Uma retrospectiva dedicada à cineasta georgiana Salomé Jashi também se destaca, mostrando a resistência cultural e política da Geórgia perante as ameaças crescentes da Rússia.
A programação competitiva do festival documental inclui as categorias Internacional, Cinema Falado, Cinema Novo, entre outras, abordando temas contemporâneos e explorando a relação entre memória e sociedade.
O diretor Dario Oliveira enfatiza a importância de aproximar autores e público, promovendo debates sobre poder, religião e democracia. "O poder não está nas mãos do povo? Sempre", diz Dario Oliveira, instigando a reflexão coletiva sobre o futuro da sociedade.
Documentários contemporâneos em foco
A Competição Internacional deste ano apresenta uma seleção de dez filmes que exploram a diversidade de linguagens e formas no documentário contemporâneo, unindo análises sociais profundas à experimentação formal. Através de olhares políticos e criativos, os filmes refletem sobre questões urgentes de hoje, resgatando histórias e explorando temas que vão desde a arquitetura até o cinema de arquivo.
Entre os destaques, está "Afternoons of solitude", de Albert Serra, uma coprodução entre Espanha, França e Portugal que promete uma visão contemplativa.
"The black garden", de Alexis Pazoumian, foca-se em temas sociais com uma abordagem estética forte, enquanto "Bogancloch", de Ben Rivers, mistura paisagens do Reino Unido, Alemanha e Islândia para criar uma meditação visual.
A arquitetura também tem lugar na seleção com "E.1027 - Eileen Gray and the house by the Sea", de Beatrice Minger e Christoph Schaub, que examina a relação entre espaço e identidade.
"The flats", de Alessandra Celesia, e "Fragments of Ice", de Maria Stoianova, trazem histórias de resistência e transformação social, enquanto "Okurimono", de Laurence Lévesque, e "Preemptive listening", de Aura Satz, exploram temas de memória e audição com técnicas experimentais.
O festival ainda inclui o nostálgico "The return of the projectionist", de Orkhan Aghazadeh, e "Small hours of the night", de Daniel Hui, que encerra a competição com uma narrativa intimista vinda de Singapura.
Esta seleção diversificada promete desafiar o público, oferecendo uma visão complexa e instigante do mundo através do documentário, assevera a organizalção do PPD.
Cinema Falado: narrativas diversas da Lusofonia
A Competição Cinema Falado de 2024 combina documentário, animação e filme-ensaio para explorar temas como anti-heróis, memórias apagadas, traumas familiares e o impacto das guerras, revelou Sérgio Gomes, da direção do PPD. Esta seleção, composta por 12 filmes, apresenta uma produção de língua portuguesa que reflete sobre a sua própria identidade, enquanto aborda histórias pessoais e coletivas espalhadas por diferentes continentes.
Entre os filmes em destaque está "Far west", de Pierre-François Sauter, que une Suíça e Portugal numa viagem documental. Já "Deus-e-meio", de Margarida Assis, explora questões espirituais num formato conciso.
O filme de animação "Amanhã não dão chuva", de Maria Trigo Teixeira, combina imaginação e crítica social, enquanto "O jardim em movimento", de Inês Lima, traz um toque ficcional a temas da vida quotidiana.
Da perspetiva africana, "Homem novo", de Carlos Yuri Ceuninck, e "As noites ainda cheiram a pólvora", de Inadelso Cossa, mergulham em histórias de transformação e conflitos armados, ecoando memórias de Cabo Verde e Moçambique. No Brasil, Priscilla Brasil apresenta "Não haverá mais história sem nós", um documentário que dá voz a narrativas silenciadas.
A competição também inclui experimentações visuais e sonoras, como "Espiral em ressonância", de Filipa César e Marinho de Pina, que mistura a tradição guineense com técnicas contemporâneas, e "Percebes", de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, utiliza a animação para discutir o impacto ecológico.
O festival encerra com obras como "Sempre", de Luciana Fina, um documentário íntimo que explora o luto e as memórias, e "Tão pequeninas, tinham o ar de serem já crescidas", de Tânia Dinis, que aborda a passagem do tempo na vida familiar.
A programação oferece um retrato multifacetado da lusofonia contemporânea, desafiando fronteiras de género e formato cinematográfico.
Os novos talentos do cinema português
A Competição Cinema Novo deste ano reúne um conjunto de curtas-metragens que refletem o talento emergente de estudantes portugueses e internacionais que estudam em Portugal. Com o apoio do Canal 180, a montra anual oferece uma visão fresca sobre o que de melhor se produz nas escolas de cinema, destacando uma diversidade de abordagens e formatos, desde documentários a ficção e obras experimentais.
Dario Oliveira destacou na conferência de imprensa que nunca houve uma tal concentração de escolas no Porto a ensinar cinema em diversos graus de ensino. "Neste momento são seis ou sete escolas a ensinar", diz.
Entre os filmes em destaque está "Alto da eira", de Tomás Guedes, que mistura documentário e ficção para contar uma história enraizada em paisagens portuguesas. "Entre o mar e a ilha", de José Rodrigo Freitas, uma exploção entre terra e mar, enquanto "Uma crosta de ferro", de Vasco Barbedo, leva o público por um caminho experimental que desafia as convenções do documentário.
"A casa imaginada", de Marta Morais Miranda, e "Na minha vida", de José Lobo Antunes, oferecem um olhar intrínseco à vida quotidiana, enquanto "Gardunha", de Ana Vilela Costa, e "Slimane", de Carlos Pereira, trazem à tona narrativas ficcionais com um toque realista.
"O Conto das três chamas", de Juliette Menthonnex, explora histórias através de uma co-produção entre Suíça e Portugal, e "Onde se planta um lar", de Carolina Pinto, reflete sobre a noção de pertença.
Com obras experimentais como "Olho-vento", de Irina Oliveira, a competição oferece uma plataforma vibrante para novos realizadores, destacando a criatividade e o potencial de uma nova geração de cineastas.
A música como expressão global
A seleção do programa "Transmission" desta edição do PPD oferece uma visão abrangente da música, explorando a sua riqueza em diferentes partes do mundo e em diversos contextos sociais, culturais e políticos. De Portugal aos Estados Unidos, do Congo à Suécia, os 11 filmes da competição buscam retratar a música como uma força criativa, política e transformadora.
Entre os destaques da competição está "ABBA: against the odds", de James Rogan, que mergulha na história do icónico grupo sueco de pop. Já "Ethiopiques magnetic suite", de Stephane Jourdain, apresenta a vibrante cena musical da Etiópia, enquanto "Free party: a folk history", de Aaron Trinder, explora a cultura das festas de música eletrónica no Reino Unido. Nos Estados Unidos, "Pavements", de Alex Ross Perry, mistura documentário e ficção para oferecer uma experiência musical imersiva.
Com uma abordagem mais política, "Soundtrack to a coup d'etat", de Johan Grimonprez, analisa como a música pode servir de ferramenta em cenários de instabilidade política. "Sur la stre nuro - Na corda bamba", de Luis Fernandes, destaca o experimentalismo sonoro em Portugal, enquanto "Teaches of Peaches", de Philipp Fussenegger e Judy Landkammer, foca a ousadia da cantora Peaches, conhecida pela sua insubmissão sexual e inovação artística.
Lee Ranaldo vem mas não toca
Nas sessões especiais, o destaque vai para "Ressaca bailada", de Sebastião Varela, que documenta o impacto do projeto "Expresso Transatlântico", e para "Eno", de Gary Hustwit, que explora a carreira do lendário músico e produtor Brian Eno.
Outro filme muito aguardado é "Hello hello hello: Lee Ranaldo - electric trim", de Fred Riedel, que lança luz sobre o ex-integrante da banda rock Sonic Youth. Lee Ranaldo estará no Porto durante o festival, mas, como alertou Dario Oliveira, "não vem dar nenhum concerto, vem apenas assistir".
Através de materiais de arquivo raros, entrevistas inéditas e registros em palco e estúdio, "Transmission 2024" celebra a música como uma forma de arte viva e em constante transformação.
Os bilhetes para o PPD, que se realiza nas duas salas do Batalha Centro de Cinema entre 22 e 30 de novembro, já estão à venda.
A sessão de abertura aposta no filme "Apocalipse nos trópicos", da cineasta brasileira Petra Costa, uma análise incisiva, e inquietante, de como a religião e a política se entrelaçam no Brasil e contaminam a sociedade.