Apaixonado pela História de Portugal, o historiador escocês Neill Lochery volta a dedicar uma obra ao nosso país. Em "Saído das sombras", o autor de "Lisboa: a cidade vista de fora" analisa o trajeto do país nos derradeiros 30 anos
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Escrever sobre Portugal é, para o escocês Neill Lochery, um prolongamento da paixão por um país que visita há 30 anos. Depois de dois livros sobre Lisboa, o professor catedrático analisa em "Portugal saído das sombras" a aventura democrática das últimas décadas. Um período tão rico em acontecimentos que, garante, podia ter originado "um livro com o dobro do tamanho".
Mesmo para um país com uma História tão rica como Portugal, estes 40 anos (1975-2015) de que o seu livro fala foram um período particularmente fértil?
É interessante ver como Portugal evoluiu para uma democracia madura em tão pouco tempo. A
própria História do país no conjunto do século XX é fascinante.
Os últimos 40 anos foram um carrossel, tais os altos e baixos por que o país passou. Portugal aprendeu com os erros?
Foi o Hegel quem disse que aprendemos com os erros, mas acabamos sempre por cometer erros novos... Há outros fatores que temos que analisar. Portugal é um país pequeno, com uma economia pequena. Logo, é altamente vulnerável a crises globais. Como vimos em 1983 ou 2010. Houve tantos acontecimentos nestes 40 anos que poderia escrever um livro com o dobro do tamanho...
Encontra algum período na nossa História igualmente rico?
As guerras napoleónicas, com a saída da família real e dos muitos milhares que a acompanharam, arrastaram o país para uma crise que levou muitos anos a ser ultrapassada. Ainda que noutra escala, o problema da emigração mantém-se. Portugal forma os seus jovens, mas depois eles acabam por ir trabalhar para outros lados. Em Inglaterra isso já não acontece.
O próprio estado de espírito dos portugueses oscila com frequência entre a depressão e a euforia.
Há, de facto, uma sensação de otimismo que teve início com a vitória no Europeu no ano passado. É curioso, porque terminei o livro quando o ânimo geral do país estava em baixo e hoje vemos o turismo a crescer dois dígitos, o défice a descer e a economia em alta.
Este otimismo não pode resvalar para uma onda despesista?
Não há mal em ter orgulho nos feitos recentes. Apesar das conquistas, desportivas e não só, Portugal ainda é um grande mistério aos olhos dos analistas internacionais. É preciso distinguir entre os êxitos individuais de José Mourinho, Cristiano Ronaldo ou Paula Rego e a questão coletiva, em que o mistério ainda permanece.
Pelo seu reduzido tamanho, Portugal está condenado à irrelevância em termos globais?
Na componente estratégica, Portugal será sempre importante. É uma potência atlântica. Por mais que os americanos procurem desvalorizá-la, a Base das Lajes tem grande importância, sobretudo na fase de incerteza atual. O que me preocupa mais é a dependência económica. Cada vez mais, os países pequenos terão dificuldades em ser independentes do ponto de vista económico. Além disso, Portugal tem um sistema bancário pequeno e em grande parte tomado pelos espanhóis, já para não falar no facto de muitas das principais empresas terem sido vendidas a estrangeiros.
Portugal não deve apenas estar focado na Europa?
Claro que a Europa é fundamental e não deve ser esquecida. Mas ela enfrenta uma fase de incerteza, agravada pelo Brexit, pelo que Portugal deve olhar de modo mais firme para a sua vocação atlântica. Se fosse um governante português, seria para aí que olharia.
Este é o capítulo final da sua incursão pela História de Portugal?
Não sei. O período da I República é muito interessante, embora já tenha sido bem desenvolvido pelos historiadores portugueses. A altura mais interessante é a da I Guerra Mundial, como a participação desastrosa no conflito e o que se seguiu. A História é como construir blocos. Temos que perceber o que aconteceu antes para perceber o presente.