Candidato nacional aos prémios dos EUA é "Alma viva", de Cristèle Alves Meira. "Ser lusodescendente é a minha cultura", diz cineasta ao JN.
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A realizadora luso-francesa Cristèle Alves Meira declarou ontem ser "um orgulho" e "muito prestigiante" ver o seu filme "Alma viva" ser escolhido, em votação, pelos membros da Academia Portuguesa de Cinema (APC) como candidato nacional à nomeação para os Oscars 2023, como Melhor Filme Internacional. Para já, é só candidato a candidato - a escolha final dos nomeados é a 25 de janeiro; a cerimónia decorre a 12 de março de 2023.
Na sua primeira longa-metragem, Cristèle - 39 anos, nascida em Montreuil, arredores de Paris, filha de pai minhoto e mãe transmontana, que se conheceram em França - projeta memórias da sua infância na Junqueira, aldeia de Vimioso. Era ali que passava os verões e ainda a época da apanha da azeitona em Portugal. "Fui muito influenciada pelas lendas, pelas histórias de fantasmas e de bruxarias", disse ao JN, a partir de França, num português impecável.
protagonista de 9 anos
"Alma viva" foi produzido pela Midas Filmes em coprodução com França e Bélgica, e estreou-se na Semana da Crítica do Festival de Cannes deste ano. O filme conta a história da pequena Salomé (interpretada por Lua Michel, a filha de 9 anos da cineasta), que está de férias na aldeia quando morre a sua avó querida.
A menina assiste a disputas na família por causa do funeral, quando é assombrada pelo espírito da avó, que tinha fama de bruxa.
"Alma viva", que tinha como título inicial "Bruxa", foi escolhido pelos membros da APC entre outros quatro filmes a votação: "Lobo e cão", de Cláudia Varejão; "Mal viver", de João Canijo; "Restos do vento", de Tiago Guedes; e "Salgueiro Maia - O implicado", de Sérgio Graciano.
A escolha do seu filme é, referiu a cineasta, "um reconhecimento também do Portugal da emigração". "Sinto um pé em Portugal e outro em França. Ser lusodescendente é a minha cultura, essa dupla identidade é o que me define", assinalou Cristèle, claramente satisfeita pela oportunidade de projetar este "foco nas histórias do interior do país e da emigração".
"Estas histórias são muito poucas vezes representadas e, quando são, são estereotipadas", assinalou. "Tenho uma relação [com Portugal] de alguém que vem de fora, mas também pelos valores familiares que me foram transmitidos", afirma.
Foi naquela região transmontana que Cristèle Alves Meira recrutou atores não profissionais para contracenar com a portuguesa Ana Padrão, a belga Catherine Salée e outra luso-francesa, Jacqueline Corado, que o público português reconhecerá desse êxito que foi "Gaiola Dourada", comédia de Ruben Alves, de 2013.
filme mais universal
Contracenaram ainda com uma protagonista muito especial, e cuja participação não estava prevista, de todo, no filme, assinalou Cristèle Alves Meira. Lua Michel, que tinha 8 anos na altura das filmagens e nove na estreia no Festival de Cannes, é filha da realizadora (ler texto ao lado).
Cristèle conhece o cinema português, destacando, entre outros realizadores, João Pedro Rodrigues, Miguel Gomes e Manoel de Oliveira como influências. "O cinema português é muito estimulante, tem uma subtileza e uma liberdade na forma de contar as histórias que se demarca do resto do Mundo", sublinha.
Mas "bebeu" também de Ettore Scola e outros autores do realismo italiano e de "realizadores do mundo inteiro". "Vou representar Portugal e, ao mesmo tempo, não tenho a sensação de que o filme é só português. Tem histórias que têm a ver com Portugal, mas é um filme mais universal", sublinhou ao JN.
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A filha é protagonista
A atriz criança foi a última a ser escolhida, numa produção atrasada por causa da pandemia. "Andei muito tempo à procura, no verão, nas festas de aldeia e nos lugares da emigração portuguesa", contou a cineasta. Inesperadamente, "a minha filha acabou por se impor no projeto; ela conhecia aquela realidade e percebia-a, era perfeita para aquele papel", explicou.
Lua Michel já tinha tido uma experiência no cinema, no filme de uma amiga da mãe - foi Vanya em "Palma", de Alexe Poukine (que escreveu, dirigiu e protagonizou). O filme acabou por competir e vencer vários prémios em festivais.
Currículo com curtas
Cristèle Alves Meira começou por ser atriz e encenadora, e realizou depois curtas-metragens. Duas delas - "Sol Branco" (2014) e "Campo de víboras" (2016) foram preparações para este filme, disse a cineasta ao JN.
Estreia 3 de novembro
"Alma viva" estreia-se em Portugal a 3 de novembro. Até lá, está a ser exibido em festivais de cinema de todo o Mundo.