Vera Mantero é a coreógrafa da última edição do P.E.D.R.A., projeto educativo que encerra este domingo num encontro online transmitido em direto às 18 horas.
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Entra-se de mansinho pela linguagem de Vera Mantero (Lisboa, 1966), uma das coreógrafas e bailarinas mais relevantes da dança moderna portuguesa, cujas técnicas não vêm inscritas em qualquer manual, mas que enforma nos títulos das suas peças a bíblia da sua criação, edificada em grande parte na estrutura "Rumo do Futuro", que no ano passado completou vinte anos de existência.
A autora de "Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza" (2006) ou de "Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos" (2009) é a convidada da terceira e última edição do P.E.D.R.A., projeto educativo criado para estimular o conhecimento e a participação na dança contemporânea por parte dos jovens. O encerramento acontece hoje, às 18 horas, em versão online (nas redes sociais dos equipamentos dos coprodutores Culturgest, Teatro Municipal do Porto, Teatro Viriato e Rumo do Fumo), para apresentar o trabalho final de três grupos de adolescentes de três cidades - Porto, Viseu e Lisboa - que sobre ela se debruçaram.
"Foi muito gratificante acompanhar a incursão destes jovens pela dança contemporânea na sua vertente mais experimental", afirmou Vera Mantero ao JN. "Estamos a falar de uma dança que é constituída pela experiência de vida, que tenta pensar o mundo, não apenas pela palavra, mas no espaço, no tempo - e com o pensamento."
É um "património nacional riquíssimo", embora não seja acolhido dessa forma pelo país institucional. E esse é o maior desapontamento da criadora. "Não há desejo, aspiração, ansiedade no desenvolvimento da cultura em Portugal, o que se reflete na total inexistência de uma política cultural, que se limita a distribuir apoios", critica.
Se houvesse pensamento nos sucessivos ministérios da Cultura, diz, "já se estaria a otimizar a cena pujante que está no terreno, a torná-la ainda mais vibrante e a integrá-la na vida das pessoas." Não é uma ideia abstrata. É, aliás, bastante concreta. "Existem teatros nacionais, museus só de arte contemporânea, casas da música, mas não existe um centro coreográfico nacional", denuncia, insistindo no que parece óbvio quando se olha para uma disciplina com mais de três décadas que ameaçam tornar-se irrecuperáveis: "Em Portugal é urgente a criação de um Centro Nacional de Dança Contemporânea".
Património sem casa
Em Viseu, Leonor Barata, a coreógrafa que conduziu o grupo de jovens para o terreno intrincado de Vera Mantero, não ouviu a bailarina de Lisboa, mas coincide na reflexão. "Como é que nós ensinamos aquilo que não é ensinável se não pela experiência?" A pergunta é a resposta para a ausência de um Centro Nacional de Dança Contemporânea, mas também um elogio à missão do P.E.D.R.A. "Esta nova dança contemporânea portuguesa não tem uma técnica associada, porque está muito ligada às inquietações individuais dos artistas (como Clara Andermatt ou Francisco Camacho, para nomear apenas coreógrafos de edições anteriores), que desenvolvem mecanismos próprios que lhes permitem aceder a uma zona de criação. É um património imenso, a que o P.E.D.R.A., enquanto lugar de experimentação, dá acesso", elogia.
O grupo de Leonor Barata apresentará hoje um vídeo intitulado "Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos ou afinal o que tens dentro da cabeça". É um dois-em-um, que une um título de Mantero a uma inquietação da coreógrafa , que se liga a um problema transversal dos adolescentes: "a questão da identidade que, nestas idades, se relaciona com a propriedade." Comovida com o resultado final, Barata reconhece que esta edição do P.E.D.R.A., condicionada pela pandemia, não é "aquele beijo que deve sempre ser um terremoto", porque lhe "falta o contacto", mas "é um encontro profundo" que a faz acreditar "que o futuro está assegurado". Elogio às novas gerações.
No Porto, Vera Santos também optou por conduzir o seu grupo não para dentro de uma peça específica de Vera Mantero mas atravessar o seu repertório para se deter naquilo que precede as suas peças: "o questionamento constante, a libertação de pré-conceitos e o aceitar o presente". O vídeo a que chamou "A nova dança do existir" responde também a uma questão, com que Mantero também já confrontara os seus bailarinos: "O que gostarias de fazer se não estivesses a fazer o que fazes?"
Sem nome de batismo para o trabalho que apresentará hoje, Henrique Furtado Vieira, de Lisboa, a cidade anfitriã, criou um "documentário poético" sobre a importância da palavra e sobre os "monstros" que a coreógrafa usa como metodologia de um trabalho "que exige tempo".