Primavera Sound Porto: adrenalina infinita de Deftones e o Mundo a ruir de Chat Pile
Californianos do metal alternativo ligaram um reator em pleno Parque da Cidade na segunda noite do festival. E Chat Pile berraram pelas dores do planeta.
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Noite de peso num dos trilhos da segunda noite do Primavera Sound Porto (o outro foi o do hip hop e linguagens associadas). O nome-chave foi Deftones, veteranos do metal alternativo - um metal que se evade do cânone e convoca referências estranhas ao género, como o rap ou a eletrónica. São um dos ápices dessa operação desde 1988, mas fizeram a estreia em disco apenas em 1995, com “Adrenaline”. E adrenalina é o que não lhes falta. Foi mais de uma hora com o reator ligado.
Chino Moreno, o histórico vocalista, pouco comunicou com o público, reservando a garganta para as exigentes cavalgadas do seu repertório. Quase todas as faixas são tonitruantes e rangentes - metal a arder num aparato sónico que cresce, desmaia e volta a crescer. Algumas são absolutamente explosivas, como “You’ve seen the butcher”, “Rocket skates” ou “Tempest”, noutras, como a icónica “Change (in the house of flies)”, interpretada contra um fundo onde crescia um enorme sol laranja, revelam-se matizes mais vastas e impuras - no que ao metal diz respeito. Revela-se também uma voz, não apenas capaz de atingir níveis perigosos de decibéis, mas também de planar de forma mais melódica.
Altamente influentes para outro género “impuro”, o nu metal, Deftones são uma instituição da música extrema, teimosos ‘headbangers’ que atravessam gerações com a sua música inclemente, mas sofisticada. Tiveram público militante - os visuais escureceram entre o primeiro e o segundo dia do festival -, mas também muitos neófitos e curiosos, que simplesmente foram esmagados pela potência dos californianos.
Captar a ansiedade e o medo
O tumulto começara uma hora antes, no palco ao lado, com as descargas noise e hardcore dos Chat Pile, banda do Oklahoma, EUA, fundada em 2019. Reclamam influências que vão de Big Black e Jesus Lizard (que atuaram na véspera) a Pixies e Sonic Youth. Mas a subtileza não faz parte do pacote. De bigode e calção, como banhista barrigudo na praia de Espinho, Raygun Busch (pseudónimo de sabe-se lá quem) desatou a berrar do primeiro ao último tema como se tivesse sido picado por um peixe-aranha. Dizem querer captar “a ansiedade e o medo de assistir ao Mundo a desfazer-se” nos álbuns “God’s country” (2022) e “Cool world” (2024) - e de facto captam, à sua maneira. Baixo trepidante, guitarra afiada numa pedra, bateria em combustão e Busch, lacerado, a arengar contra tudo. É banda sonora possível para muitos horrores contemporâneos.