Banda liderada por John Lydon atuou terça-feira no Hard Club do Porto. Nesta quarta estará no Lisboa ao Vivo.
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Há uma frase na “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, que parece ajustar-se à figura de John Lydon, vocalista dos Public Image Ltd (PIL), banda que atuou esta terça-feira no Hard Club do Porto: “Já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.” O “dominó” vem dos anos 1970, da máscara Johnny Rotten, agitador principal dos Sex Pistols. E Lydon confessaria em entrevista, muitos anos depois, que fora difícil engendrar aquela personagem e, depois, ver-se livre dela.
Deixemos para a psicanálise a investigação da mente do cidadão John Joseph Lydon, nascido em Londres, em 1956. E concentremo-nos no que dela resulta do ponto de vista musical e performativo.
A música é claramente distante do número punk dos anos 1970. Foi desde o início um corte assumido, apesar de no primeiro single dos PIL, “Public image”, que soou no encore do concerto no Porto, estarem presentes vestígios da visceralidade dos Pistols, no som e nas letras. Poder-se-á até dizer que os PIL, que nas suas diferentes formações sempre giraram à volta de Lydon, nunca deixaram de ser punks, se excluirmos o lado da “public image” e dos traços musicais na origem do género e pensarmos na atitude de confronto e sabotagem – e, mais importante, se pensarmos no “faça você mesmo”.
Sem dois álbuns iguais, os PIL navegaram sempre pelas águas que quiseram, com poucos meios, perdendo por vezes dinheiro, como na produção da embalagem da sua obra-prima, “Metal box” (1979), sem dar cavaco a críticos e a fãs. Foram puramente experimentais, enchendo o espaço de ruído e bizarrias, acolheram dub e world music – Lu Edmonds, ex-guitarrista dos The Damned e atual membro da banda de Lydon, utilizou instrumentos como banjo, bouzouki ou saz –, exploraram tendências da eletrónica e lograram alguns êxitos pop, como “This is not a love song” ou “Rise”, que fechou a atuação no Hard Club.
No último álbum, “End of the world”, que motivou a atual digressão, constroem canções tensas, embebidas em electro e synth pop. Foram mesmo as que melhor resultaram no concerto: “Car chase”, “Penge” ou “Being stupid again” (um ataque ao ativismo) foram aviadas de memória fresca e na sua forma inteira.
O que não aconteceu nas revisitações, que muitas vezes fizeram um farelo quase irreconhecível, como em “Death disco” ou “Poptones”.
Mas se a música dos PIL não se confunde com a dos Pistols, já o “dominó” de Lydon vacila. Enfiado num fato de mau alfaiate e com gravata vermelha, separava todos os temas com um aliviar de narinas e um gole de brandy, que imediatamente cuspia. Nas poucas vezes que se dirigiu ao público, foi para desejar que cheirassem o interior do seu casaco: “Humm… sardines.” E terá ficado surpreendido quando pediu ao público que repetisse a frase “fuck off” ao longo do tema “Shoom” e quase ninguém lhe passou cartão. A sua audiência já não é de adolescentes, e terá passado pela cabeça dos maduros de 40, 50 e 60 anos: “Ó Johnny, se queres palhaçadas, fá-las tu.”
Gritou, uivou e cantou nos seus falsetes “cockney”. Mostrou-se maníaco e comovido. Recorreu a uma partitura para seguir algumas canções. Mas, de facto, há algo de confuso nesta figura: em tempos um denunciante dos esquemas da indústria musical, alguém que pedia o fim da separação entre músicos e plateia e que disse da rainha de Inglaterra o que o Milhazes não diz do Putin, acabar a defender Trump e o Brexit não deixa de ser dececionante. Talvez ele ache que tudo isso é punk. E talvez seja. A psicanálise poderá explicar.