Victor de Oliveira ator e encenador, leva à cena do Teatro Nacional São João no Porto, “As Areias do Imperador” baseado num livro de Mia Couto
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“A história de Portugal tem uma ligação com África. Como se avança?”. Esta é uma das questões que o encenador moçambicano Victor de Oliveira põe no centro da produção teatral “As areias do imperador”, de Mia Couto, em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, até domingo. Na trilogia que encetou em 2019 questiona a colonização portuguesa de várias perspectivas. Nesta, em particular, a partir de uma história de amor consegue mostrar-nos Mouzinho de Albuquerque e Gungunhana numa versão desendeusada.A produção, diz, assinala também a primeira vez que alguém fala changana num palco nacional, facto sintomático .
Como culmina o percurso dos últimos anos em “As areias do imperador”?
Criei “Incêndios” em 2019, em Maputo, com uma equipa moçambicana, e esteve em Portugal e em França. Era uma produção sobre a guerra dos 16 anos que devastou Moçambique. “Limbo” era passado dentro da minha família, o seu percurso e a pol´ítica de assimilação entre dois. Maneira dos portugueses e dos moçambicanos, os chineseses e toda esta mestiçagem. O drama deles, antes e depois da independência moçambicana.“As areias do imperador” é uma forma de ir mais longe, em volta de duas personagens principais. Uma história de amor entre Germano de Melo português branco e Imani, moçambicana negra. Isto permite-me também ir mais longe na minha história pessoal, em que os meus avôs eram brancos portugueses e as minhas avós mestiças: moçambicanas, africanas, chinesas e indianas.
Na trilogia encontra as mesmas respostas?
De toda esta ação que se passa no século XIX, eu e a minha equipa quisemos saber questões que voltam, ainda hoje, ao universo de 2023. São muitas perguntas algumas sem resposta. E interessa-me saber como essas perguntas ressoam no público.
É mais fácil partir da ficção do que de biografia?
Na ficção vou um pouco mais longe, consigo uma atemporalidade, especialmente com o recurso ao vídeo. Este não é um espetáculo de teatro clássico sobre a colonização portuguesa, é um espetáculo contemporâneo. E eu não estou a fazer um documentário. Esta é a força do teatro, em que posso unir personagens de históricas e de ficção. Ainda que as pessoas consigam ver personagens históricas como o Mouzinho de Albuquerque, que cada cidade portuguesa tem uma rua ou um largo com o seu nome, ou Gungunhana, em Moçambique, mas aqui não são vistos como heróis, mas como homens.
A produção vai ter uma extensa digressão em França, Portugal e Moçambique. Vai ser traduzida?
Durante toda a digressão a obra vai ser legendada, fala-se em português e em changana, a língua de Gungunhana. Talvez seja a primeira vez que será falado changana em cima de um palco nacional e isto é muito importante. Mesmo em Maputo, a peça vai ser legendada porque nem toda a gente fala changana.
Pretende criar uma mudança?
As pessoas que venham ao teatro que se divirtam, passem um bom bocado mas que também consigam refletir sobre si próprias.
A problemática ressoa diferente em cada local ?
Moçambicanos, portugueses, franceses que venham e estejam presentes. Em Aveiro(estreia) sentia-se que as pessoas tinham uma ligação fortíssima com o que se estava a passar. Talvez aqui (no Porto) seja diferente. Independentemente da sua relação com as ex-colónias, os portugueses sabem que isto é a história de Portugal que teve uma ligação com África e perceber daí como se avança.
Como escolheu um elenco tão particular ?
Quando escolhi o elenco de moçambicanos e portugueses, mais do que escolher atores pela sua qualidade técnica tive de ver as qualidades humanas. Saber que quando eu estou em cima do palco, a insultar alguém, que viveu no tempo colonial, essa pessoa saiba que temos exatamente a mesma visão do racismo e que entendemos a complexidade da história.