Documentário de Asif Kapadia, “1971: The year that music changed everything”, na Apple TV, revela-nos um ano prodigioso na história da música.
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Estreias fulgurantes, discos finais e trabalhos de consolidação. Mudanças de paradigma na indústria, no consumo de música e no espírito do tempo. Assim foi 1971, “o ano que produziu mais discos influentes do que qualquer outro antes ou depois”, escreveu o jornalista David Hepworth em “Never a dull moment: 1971 The year that rock exploded”, livro que inspirou o documentário em oito episódios de Asif Kapadia “1971: The year that music changed everything” (2021), disponível na Apple TV.
Mais do que um compêndio de álbuns marcantes de nomes como John Lennon (“Imagine”), Marvin Gaye (“What’s going on”), Rolling Stones (“Sticky fingers”), The Doors (“LA woman”), Pink Floyd (“Meddle”), Carole King (“Tapestry”) ou Joni Mitchell (“Blue”), o filme traça um panorama histórico, social e artístico desses doze meses trepidantes, recorrendo a mais de 100 entrevistas recentes, além de abundante material de arquivo.
Já distante do “paz e amor” dos anos 1960, oficialmente enterrado com o festim de violência no Festival de Altamont (1969), espécie de negativo de Woodstock e Monterey, 1971 revela fraturas na sociedade americana: a série abre com imagens de protestos contra a guerra do Vietname na Kent State University, que resultaram na morte de quatro manifestantes. A memória do massacre de My Lai e dos crimes da “família Manson” assinalam também a perda de inocência de uma geração.
David Bowie diz que o século XXI estava a ser criado naqueles meses. E verifica-se que muitas lutas atuais, como o Black Lives Matter ou os combates identitários, tiveram ascendência em episódios como os motins da prisão de Attica ou nos discos feministas de Carole King e Joni Mitchell. Talvez sobre nenhum outro ano da história do rock pudesse ser dita esta frase do produtor e compositor Jimmy Lovine: “A música não era um reflexo dos tempos, estava ela própria a criar a realidade”.