Concertos na Super Bock Arena, este sábado e domingo, e no Campo Pequeno, a 26 e 27, refletem uma das carreiras mais importantes da música portuguesa.
Corpo do artigo
Não fora a pandemia a estragar as contas, diríamos que há 40 anos apareceu o homem canonizado como "o pai do rock português". Diríamos que há 40 anos foi lançado um dos álbuns que melhor captou o espírito de uma época, "Ar de rock". E que há 40 anos se estabeleceu uma das mais profícuas sociedades criativas da música nacional - Rui Veloso e Carlos Tê. Dizer que tudo isto aconteceu há 41 anos perde impacto, mas não retira um grama de importância aos factos. Não foi possível em 2020, chega agora o momento de celebrar: quatro concertos de Rui Veloso, dois no Porto, hoje e amanhã na Super Bock Arena, e dois em Lisboa, dias 26 e 27, no Campo Pequeno, assinalam essas mais de quatro décadas de uma carreira fulgurante.
Italo Calvino dizia que um clássico é a obra que nunca deixou de falar, independentemente da época. Pois há quatro décadas que sucessivas gerações vão trauteando a letra e melodia de temas como "Chico fininho", "Sei de uma camponesa" ou "Rapariguinha do shopping", todos eles constantes no álbum de estreia de Rui Veloso, que, segundo a lenda, se entregou à música logo aos seis anos, quando descobriu uma harmónica.
Mas se "Ar de rock", que contava com os músicos Ramón Galarza e Zé Nabo, parece caber definitivamente nas considerações de Calvino, igual destino parece estar reservado para os temas de álbuns subsequentes, como "Fora de moda" (1982), "Guardador de margens" (1983), "Rui Veloso" (1986) ou "Mingos & os Samurais" (1990), registo duplo conceptual que narra a história de uma banda suburbana do Grande Porto e que é talvez o mais ambicioso trabalho do músico, tendo vendido perto de 200 mil exemplares e atingido sete discos de platina. Veloso depressa ganhou uma dimensão que extravasava o reduzido espaço do rock português, chegando a compor um tema para a campanha de Mário Soares nas eleições presidenciais de 1986, "Rock da liberdade". Começou a atuar nos maiores recintos do país, conquistando um público transversal nas idades e nos gostos; integrou as superbandas Rio Grande e Cabeças no Ar, ao lado de nomes como Jorge Palma, Tim, Vitorino e João Gil; foi elevado a comendador da Ordem do Infante D. Henrique pelo presidente Jorge Sampaio, em 2006.
Em anos mais recentes, houve sobressaltos. Anunciou a suspensão da carreira em 2014, por considerar "difícil aceitar a realidade do país", na altura a braços com a troika. E afastou-se do seu letrista de sempre, Carlos Tê, explicando o caso como uma "coisa de egos". Mas apostaríamos que a história de Rui Veloso está ainda longe do seu epílogo.
Elenco
Espetáculos com uma pequena ajuda dos amigos
Será de aguardar uma viagem por mais de quatro décadas de música nos concertos de Rui Veloso. O repertório, em larga medida conhecido de cor, desde os temas de "Ar de rock" até aos últimos originais gravados no álbum ao vivo "O melhor de Rui Veloso" (2015), serão também interpretados por convidados ilustres, como Miguel Araújo, Maro, Paulo Flores & Manecas e Dany Silva, que já participara em "Rui Veloso e amigos" (2012). Momentos íntimos e épicos irão alternar-se nestas quatro efemérides no Porto e Lisboa.