O jazz volta a sair à rua. De 9 a 20 de julho, o festival “Que Jazz É Este?” torna a ocupar Viseu com a mesma inquietação criativa de sempre. São 12 dias, com concertos para público em geral (e ao domicílio), música por praças, ruas e teatros, jam sessions, oficinas e rádio ao vivo.
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Ana Bento, diretora do festival, resume ao JN as expectativas para o evento, que entra em 2025 na sua 13.ª edição: “São expectativas altas, no sentido em que procuramos desenhar algo que faça sentido para as pessoas, que se conectem com as várias propostas de encontros tão improváveis quanto urgentes mas também se conectem entre si e encontrem neste festival várias respostas que cabem dentro da mesma pergunta – ‘Que Jazz É Este?’”, enquadra.
Para esta responsável, num festival assumidamente diversificado e eclético, torna-se difícil retirar destaques do programa. Mas tendo de escolher concertos imperdíveis, Ana Bento “destacaria Camilla George, uma das mais importantes vozes da nova cena do jazz londrino que vem a Portugal para este concerto único em Viseu; e por outro lado Tito Paris, um dos maiores embaixadores da música cabo-verdiana que se apresenta numa formação especial acompanhado do Colectivo Gira Sol Azul sob a direção e arranjos de Joaquim Rodrigues”, adianta. Imperdível é também, afiança, “o encontro que promete explorar as interseções entre a música tradicional cigana e o jazz contemporâneo em que se cruzam os irmãos Emanuel & Toy Matos com João Mortágua”.
O programa
Logo a abrir, dias 9 e 10, a banda sonora original da jovem trompetista Jasmim Pinto para o filme “The playhouse” (de Buster Keaton) leva o jazz a quem não pode ir até ele: o Estabelecimento Prisional de Viseu, o Internato Victor Fontes e o Hospital Psiquiátrico recebem este gesto cúmplice e simbólico.
O filme concerto é também apresentado para o público em geral na Casa do Miradouro a 17 de julho. No dia 12, a cidade acorda com Jazz na Rua: sopros e percussões da Escola Profissional da Serra da Estrela invadem praças, varandas e esquinas. No mesmo fim de semana, a música estende-se a Tondela (Tom de Festa) com o Colectivo Gira Sol Azul e o grande embaixador da música cabo-verdiana, Tito Paris, que atuam no Parque Aquilino Ribeiro em Viseu, a 19 de julho.
Depois, e ainda na primeira semana do festival, o quarteto de João Rocha apresenta-se na Pousada de Viseu (12 de julho); e, em Carregal do Sal (13 de julho) faz-se ouvir a Gira Big Band num concerto que junta três gerações de músicos oriundos de estruturas, bandas filarmónicas e escolas da região de Viseu, em tributo à cantora Vera Lúcia: artista que nasceu em Viseu sob o nome Ermelinda Balula e aos 10 anos de idade trocou Portugal pelo Brasil, onde se tornou cantora consagrada nos anos 50 e 60.
Até à festa final
De 17 a 20 de julho, o coração do festival bate em vários pontos da cidade. Os Mano a Mano apresentam Triologia das Sombras nos claustros do Museu Nacional Grão Vasco dia 17, um concerto especial cujo ponto de partida é a obra de Lourdes Castro e em que o uso de guitarras e cordofones tradicionais da Madeira, dão vida a mais uma etapa dos Manos à qual se junta também o performer Tiago Martins.
O parque Aquilino Ribeiro recebe Camilla George (dia 18) saxofonista visionária e inovadora, uma das mais importantes vozes da nova cena do jazz londrino cuja música é uma mistura hipnotizante de afrofuturismo, hip hop e jazz. Já o Teatro Viriato acolhe a 19 de julho o trio da artista suíça Marie Kruttli.
Entretanto, o jardim da Casa do Miradouro transforma-se em refúgio de descobertas: a fusão única de sons e culturas entre os músicos Emanuel e Toy Matos e o talentoso saxofonista, compositor e improvisador João Mortágua (18 de julho); e o quarteto Analogik, que liderado pelo contrabaixista Zé Almeida explora a escrita e a improvisação dentro de uma constelação invulgar: ora trio de jazz, ora quasi-quarteto de cordas, ora ensemble de improvisação (20 de julho).
O Carmo’81 é ponto de encontro para os mais novos e mais ousados. É lá que acontece a 1ª edição do ‘So What? Encontro de Escolas’ (16 julho), com o objetivo de promover o encontro e o intercâmbio entre alunos de escolas profissionais de música. É também no Carmo’81
que de 17 a 19 de julho se realiza a 17ª. Edição do Workshop de Jazz de Viseu orientado por André Matos e Gonçalo Marques, que propõem aprofundar a improvisação como processo de auto-descoberta. Ao cair da noite, abrem-se ali as portas às jam sessions. “Quem quiser tocar, aparece. Quem quiser ouvir, entra”, explica a organização.
A festa final acontece no Parque Aquilino Ribeiro (dia 20) com New Max (aka Tiago Novo) e o groove como nota dominante. Nos entremeios, a Rádio Rossio volta ao seu estúdio sobre rodas no Parque Aquilino Ribeiro, com programas ao vivo transmitidos também pela Rádio Jornal do Centro. Emanuel Santoz e Tiago Araújo, Gonçalo Falcão, Luís Belo e Jasmim Pinto, Catarina Machado e Sandra Rodrigues, conduzem programas únicos especialmente concebidos para o festival.
A 13ª edição do festival Que Jazz É Este? é financiada pelo programa Eixo Cultura do Município de Viseu e conta com parceiros e mecenas locais e nacionais. Todas as atividades são de entrada livre, com apelo ao “donativo consciente”.
“Tem sido um crescimento progressivo”
Segundo a diretora do festival, ano após ano, o evento tem vindo a crescer: “Tem sido um crescimento progressivo, saudável, sem pressas nem atrasos, na medida justa de um festival que nasceu do reflexo da génese da associação que o promove, a Gira Sol Azul. Fruto do encontro de jovens naturais ou residentes fora dos grandes centros de formação e produção cultural mas com a vontade comum de fazer, criar, experimentar e partilhar mantendo-se em constante aprendizagem e aperfeiçoamento”, garante.
Esta vontade “foi saudavelmente crescendo nos vários públicos que festival contempla, desde o público mais geral quer da cidade quer de outros lugares do país e do mundo e que se deslocam até aqui para simultaneamente desfrutarem do festival e da cidade, a públicos mais específicos como os que o festival vai ao encontro na rúbrica Jazz ao Domicílio e que ano após ano ficam na expectativa de um novo encontro, ao público jovens estudantes de música que a cada ano têm aqui lugar reservado para apresentarem o seu trabalho, para se
encontrarem com os seus pares e para desfrutarem de oportunidades de formação e profissionalização na área da música”, afiança.
Sendo um dos pontos característicos do festival o andar pelas ruas, cidade, parques, praças, ainda que também teatros, Ana Bento explica a ideia por detrás do conceito: “Porque acreditamos que o jazz, a música, a cultura, a vida (que no fundo é tudo a mesma coisa) é um direito de todos. Porque sentimos que para além disto ainda há pessoas que as próprias não sabem, não têm consciências que de facto têm estes direitos e que estas propostas são também para elas, então temos que nos atravessar nos seus caminhos para que tomem essa consciência e possam entretanto ser as próprias a procurarem e reivindicarem este direito à cultura”, adianta ao JN.
No mesmo sentido, surge também a ideia de a entrada ser livre, ainda que com contributo que considerem justo. “É exatamente pelo mesmo motivo, mas sem esquecer o princípio de equidade, daí o apelo ao contributo na medida do que cada um puder”, conclui a diretora do festival.