Quatro sobreviventes do último suspiro da civilização refletem sobre formas de salvar o mundo. A peça criada por Cristina Carvalhal está em cena no Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, este sábado e domingo. Depois segue para Lisboa, Penafiel e Torres Vedras.
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Perceber como chegamos a certo ponto, evitando cometer os mesmos erros, procurando inspiração no passado para desenhar um futuro, mesmo num cenário disópico: da companhia Causas Comuns, da qual Cristina Carvalhal é diretora artística, “Quem cuida do jardim” é uma peça arrojada e refletiva sobre os últimos dias da humanidade, como a conhecemos. Como quatro seres conseguem superar a derradeira finitude e criar bases para um futuro coletivo: eis a proposta desta abordagem teatral.
Alice Azevedo, Bruno Huca, Carla Bolito e Diogo Freitas habitam o espaço e o universo da obra, na pele de quatro sobreviventes do último suspiro da civilização, incluindo uma nova espécie de ser humano, fruto de um projeto laboratorial. Em conjunto, tentam reabilitar o mundo ou sonhá-lo de maneira a viverem o melhor possível.
Ao JN, Cristina Carvalhal explica como neste exercício de olhar para o passado para desenhar um futuro pós-fim da civilização, não há respostas concretas, mas questões que se levantam; e a procura de, no processo e na reflexão, usar algum otimismo, e algum humor.
Sendo as respostas impossíveis, ao explorar as possibilidades de sobrevivência, a narrativa tenta “levantar padrões de pensamento nos quais vulgarmente caímos”, adianta a encenadora e também atriz. Procura-se “pensar de outra maneira, tentarmos pelo menos perceber quais são as caixas onde estamos sempre encerrados” e para fora das quais “muitas vezes não somos capazes de imaginar”.
Por exemplo, destaca a criadora, a História é “contada normalmente como uma sucessão de guerras. Todos os relatos registam mais esses episódios porque são os que saem fora da normalidade da paz, por serem uma rutura. E contamos apenas a história nessa sequência de guerras, de reis, de conquistas. Todos os outros períodos não merecem a nossa atenção”, destaca.
Na peça, tendo o enigma de “Cândido, ou o optimismo”, de Voltaire, como base, há esse exercício, mas também outro: nela, quando a humanidade entra em extinção, estava em curso um projeto laboratorial de criação de uma nova espécie de humano, destinada a repovoar a terra e desenhada geneticamente sob uma ética do cuidado. Os quatro sobreviventes incluem um exemplar desta espécie, unidos na tentativa de reparar o mundo.
“A partir de uma pesquisa sobre o percurso das sociedades pré-históricas até hoje, procuramos refletir sobre alguns dogmas”, reitera a diretora. No fundo, como poderemos impedir a destruição de pessoas, ecossistemas e saberes imposta por modelos organizacionais que sempre perpetuamos?
Depois das récitas no Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, que têm lugar este sábado (21 horas) e domingo (16 horas), “Quem cuida do jardim”, que tem bilhetes de sete a dez euros, sobe aos palcos do Centro de Artes de Lisboa (de 14 a 25 de maio), Ponto C, em Penafiel (6 e 7 de junho), e Teatro-Cine de Torres Vedras (14 de junho).