Duas curtas e um documentário juntam-se à delegação portuguesa. Os seus autores são Paulo Carneiro, Frederico Lobo e Inês Lima. O festival francês também vai ter na Seleção Oficial competitiva o novo filme de Miguel Gomes "Grand Tour".
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Depois da excelente notícia que foi a seleção de “Grand Tour”, de Miguel Gomes, para a competição pela Palma de Ouro de Cannes, o que não acontecia há 18 anos a um filme português (foi com "Juventude em marcha", de Pedro Costa, em 2006), esperava-se com alguma curiosidade a indicação dos filmes selecionados pelas duas grandes seções paralelas reconhecidas pelo Festival de Cannes: a Semana da Crítica e a agora denominada Quinzena de Cineastas, antiga Quinzena dos Realizadores.
Se na primeira não surgiu nenhum filme português, nesta última seção, criada pelos autores da nouvelle vague após os acontecimentos de Maio de 1968 terem levado ao cancelamento da edição desse ano de Cannes, apresenta nada menos do que três produções nacionais, que dão já algum peso à presença portuguesa na edição 2024 do festival de cinema mais importante do mundo.
São elas a longa-metragem documental “A savana e a montanha”, de Paulo Carneiro, e as curtas-metragens “O Jardim em movimento”, de Inês Lima, e “Quando a terra foge”, de Frederico Lobo.
Um western documental nas minas
Paulo Carneiro estreou em sala os seus dois últimos documentários, “Via Norte” e “Bostofrio”. Este seu novo filme, uma coprodução entre a portuguesa Bam Bam Cinema e o Uruguai, é um documentário em formato de western e passa-se em Covas do Barroso, muito perto de Bostofrio, de onde a família do realizador é originária.
O projeto partiu da descoberta pela comunidade, há sete anos, que a empresa britânica Savannah Resources planeava construir uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa junto às suas casas. Perante essa ameaça iminente, a comunidade decidiu organizar-se para expulsar a empresa das suas terras.
Em declarações ao JN, Paulo Carneiro refere que “enjeitando o western social construímos em comunidade este filme, com a ideia que o cinema não muda governos ou ideologías geopolíticas que na verdade são puramente capitalistas e especulativas, mas que pode dar esperança e visibilidade a uma luta que se tem feito no terreno mas que pode e deve ser também uma discussão na arte”.
O realizador, que já passou por vários festivais de relevo com os filmes anteriores, mas se apresentará pela primeira vez em Cannes, sublinha que este é “o cinema onde David engenha esquemas contra Golias e que pode e deve ganhar, para o bem de todos nós. Queríamos desde o início que “os da cidade” olhassem para o que se passa em Covas do Barroso, este atentado que o grande capital nos/lhes quer aplicar”.
Frederico Lobo: "É um privilégio"
Por seu lado, Frederico Lobo, nascido no Porto, partilha a obra enquanto realizador e diretor de fotografia. Em 2020 foi um dos fundadores da cooperativa Rua Escura, que coproduz “Quando a terra foge” com a Terratreme, produtora com quem já fizera um dos seus filmes, “Bab Septa”. Corealizado com Pedro Pinho, o documentário ia ao encontro das histórias dos viajantes que desde todo o continente africano tentam chegar à Europa. Mais recentemente. Corealizara com Tiago Hespanha "Revolução industrial", filme que atravessa o Vale do Ave ao encontro das marcas, humanas e na paisagem, da industrialização deste território.
É esta a sinopse oficial do filme que irá estrear em Cannes, inteiramente rodado na raia transmontana: “Entre o nevoeiro, num pleno labirinto do tempo, onde máquinas sondam as profundezas geológicas da montanha, um pastor vai em busca de uma vaca tresmalhada e a infância encontra o seu regresso. A serra transforma-se, o ciclo continua”.
Ao JN, o realizador confessou que “estrear um filme na Quinzena é sem dúvida um privilégio e espero que um bom ponto de partida para poder ser visto numa sala de cinema. Trata-se de um filme que foi filmado desde uma relação muito próxima e de amizade com as pessoas que participam nele, e apenas possível com a ajuda de muita gente”
O novo jardim de Inês Lima
Quanto a “O Jardim em movimento”, trata-se da terceira curta-metragem de Inês Lima, a primeira em contexto profissional, embora os seus trabalhos anteriores, “De madrugada” e “A casa do norte”, produzidos em âmbito escolar, respetivamente pela Escola Superior de Teatro e Cinema e pela espanhola Elias Querejeta Zine Eskola, tenham tido já um assinalável percurso em festivais como San Sebastian, Curtas Vila do Conde ou Porto Femme.
Definindo-se como artista independente que explora as possibilidades da imagem em movimento, paisagens sonoras, escrita e programação e que tem vindo a trabalhar o suporte analógico como veículo experimental na sua prática artística, cruzando temas pessoais com natureza e ecologia, tradições e memória, antagonismos e superstições, Inês Lima chega agora a Cannes.
Segundo a sinopse distribuída pela produção, tudo começa quando “duas guias botânicas conduzem um grupo de caminhantes pelo Parque Natural da Arrábida. Neste passeio entre várias espécies da fauna e flora, entendemos que este lugar particular está a sofrer uma mutação, não por causas naturais, mas pela mão humana".