"Kontinental ‘25" e "Blue Moon" animaram a competição da Berlinale.
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Depois de alguns dias de enorme “sofrimento”, com vários filmes na competição da Berlinale que nos fizeram sentir quase insultados e com uma enorme vontade de ter uma conversa séria com os comités de seleção, começam a chegar algumas obras que nos reconciliam com o cinema, mesmo considerando que, felizmente, o cinema pode ser muita coisa diferente, para os seus autores e para nós deste lado da tela.
Assim, será estranho que filmes como “Kontinental ‘25” ou “Blue Moon” não estejam no palmarés a anunciar no próximo sábado à noite, apesar de se saber, por experiências anteriores, aqui ou em Cannes, que muitas vezes o júri consegue “fabricar” listas de prémios que deixam quase todos a olhar uns para os outros de estupefação. Sendo Todd Haynes o presidente do júri nesta 75ª edição da Berlinale, espera-se no entanto alguma coerência.
“Kontinental ‘25” é a obra mais recente do romeno Radu Jude, se assim o podemos dizer, já que tem também uma curta-metragem na Semana da Crítica que decorre em paralelo e já terminou a rodagem de uma versão muito sua do mito de Drácula.
Aliás, “Kontinental ‘25” desenrola-se em Cluj, cidade romena considerada a capital da Transilvânia e este espaço geográfico acaba por se repercutir na própria história, já que a personagem central é uma húngara a trabalhar na Roménia e a região pertencia à Hungria até 1918. O filme de Radu Jude é, assim, também sobre os nacionalismos, o ódio ao outro, a incapacidade de viver em conjunto.
A personagem central do filme é uma oficial de justiça que, após várias tentativas, tem mesmo de levar a polícia para despejar um vagabundo, antigo atleta olímpico, a quem dá vinte minutos para arrumar as suas coisas, podendo ajudá-lo depois a encontrar um refúgio temporário. Só que, quando volta, ele suicidou-se, o que faz com que seja fortemente insultada nas redes sociais, levando-a a uma situação de desespero: deixa a família ir para férias sem ela, zanga-se com a mãe, tem sexo com um jovem que faz entregas e nem sequer encontra ajuda na religião…
Radu Jude venceu o Urso de Ouro na edição da pandemia, com “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” e já mostrou “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo”. Com a sua ironia habitual e a fantástica cumplicidade da sua atriz principal, a húngara Eszter Tompa, Jude fala-nos em detalhe do seu país, mas atingindo no seu relato uma dimensão internacional, que nos faz desde muito cedo identificarmo-nos com a história. E, imagine-se, filmou este belíssimo filme com um telemóvel!
Curiosamente, o mesmo Richard Linklater que já nos habitou a algum experimentalismo no seu cinema apresentou em Berlim uma das obras mais clássicas da Berlinale, mas fascinante no que conta e como nos conta. “Blue Moon” passa-se durante algumas horas, num bar de Nova Iorque, onde Lorenzo Hart, grande autor de musicais da Broadway e de Hollywood e autor de canções como a que dá o título ao filme, se refugia na bebida, na mesma noite em que o seu colaborador de grandes sucessos Oscar Hammerstein II tem a sua grande noite, agora ao lado de Richard Rodgers, com a estreia da peça “Oklahoma!”
Lorenzo Hart morreu em 1943, com apenas 48 anos, e todos nós já trauteámos canções da sua autoria. Pouco sabíamos antes da sua vida, das suas mágoas, da sua sexualidade. Com um notável Ethan Hawke a recriá-lo, “Blue Moon” é uma delicada e sensível homenagem a um homem com muitos talentos, menos o de conseguir ser feliz. Um retrato de uma personagem e de uma época, por um cineasta que domina completamente as formas narrativas.
O filme, uma produção independente distribuída pela Sony Pictures Classics, não vai estrear em Portugal, confirmam os responsáveis no nosso país pelos filmes desta companhia. Muito provavelmente, será uma estratégia global da Sony. Um grande prémio em Berlim poderá mudá-la. Vamos estar atentos.