Segunda noite do Festival Músicas do Mundo dominada pela mensagem urgente dos DAM. Seguiram-se temperos do Gana e Cabo Verde
Corpo do artigo
Desde a primeira edição que o Festival Músicas do Mundo (FMM) acolhe não só concertos, mas também momentos de luta política. Está no seu ADN a imbricação com variadas causas e reivindicações de diferentes geografias. Mas é possível que anteontem se tenha chegado ao píncaro dessa dimensão com o espetáculo dos DAM, banda de rap da Palestina que se assume como grupo de resistência desde 1999. Porque vêm de um lugar literalmente a arder, também o público se incendiou num gesto de solidariedade intensa. “Valem mais as vossas palmas, porque são sinceras, do que as palmas milionárias que se ouviram ontem no Congresso americano”, disse o líder da banda, Tamer Nafar, referindo-se ao discurso de véspera de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel.
Uma emoção feroz dominou o concerto no Castelo de Sines, com um enorme lençol com as cores da Palestina a viajar pela plateia e constantes gritos de apoio a ouvirem-se nos intervalos da música, mas aquela hora e meia esteve longe de se resumir a um protesto ou a um comício. Ou não fossem os DAM a banda mais popular de hip hop no Médio Oriente. O seu rap é vertiginoso, sobretudo quando debitado em árabe - cantam também em inglês e hebreu -, língua áspera e cheia de arestas que encaixa na perfeição naquele registo; três MC frenéticos, com a mulher, Maysa Daw, a introduzir o ‘zaghrouda’, canto tradicional árabe, e o DJ, Bruno Sabbagh, a cruzar batidas urbanas globais com as especiarias do Levante. Nas letras havia denúncia, sarcasmo e um fio de esperança.
Ouviu-se a leitura emocionada de um texto sobre a condição da mulher, houve lições de árabe, com o público a participar nos temas com palavras que ia aprendendo, e houve a surpreendente referência ao “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, proverbial apoiante da causa palestiniana. Olhando para o lençol, Tamer comentou: “Não acredito em bandeiras, mas neste momento ela é necessária.” Seria sempre um triunfo a passagem dos DAM pelo FMM, mas talvez poucos esperassem um concerto tão grandiloquente.
Como neste festival nada é feito ao acaso, impunha-se um momento temperado depois da catarse. Veio banda sorridente do Gana, Gyedu-Blay Ambolley & His Sekondi Band, e o seu ‘highlife’ tingido com funk e R&B. Mas novamente regressou a luta, já no palco da marginal, com a atuação de Prétu, alteridade do rapper português Chullage que integra performance, mensagem política e combustão de ritmos e samples da África ancestral e futura. No fim, outra vez bamboleio com a quintessência do funaná de Cabo Verde - os Ferro Gaita.