Depois da autobiografia "O árabe do futuro", autor francês Riad Sattouf conta agora a vida de aculturação forçada do seu irmão mais novo na Síria.
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"O árabe do futuro" (seis tomos com edição nacional da Teorema), a autobiografia de Riad Sattouf desde a infância até à entrada na idade adulta, vivida entre a França e a Síria - que é como quem diz, entre a mãe francesa e o pai sírio - é uma das bandas desenhadas fundamentais deste século e dos nossos dias.
Desde logo, pela sua qualidade intrínseca e pelo humor e sensibilidade com que o tema é tratado, mas também pelo retrato assertivo da difícil conciliação entre culturas e religiões, quando imigração e emigração estão em causa.
Quem leu - e fez muito bem - sentiu, de certeza, que um dos seus pontos altos é o rapto de Fadi, o irmão mais novo do autor, com apenas dois anos, pelo pai, que o levou para o seu país natal.
Essa "ponta solta" ganha agora substância, pois Riad Sattouf, apoiado em entrevistas que fez ao irmão, conta a vida deste na Síria em "Eu, Fadi - O irmão raptado", cujo primeiro volume, que abarca os períodos de 1986 a 1994, já tem edição nacional da ASA.
Com menos humor do que a obra principal, talvez devido ao distanciamento que inevitavelmente o autor sentiu, após uma introdução que mostra o papel de Fadi no seio da família, e a clara preferência que a mãe demonstrava por ele, assistimos ao rapto em si mesmo e à nova realidade para a qual o miúdo é transportado.
Numa primeira fase, vemos a progressiva aculturação forçada de Fadi, realçada pela utilização de alguns textos em sírio, que ajudam a destacar as diferenças de língua e de culturas, o isolamento que Fadi sentiu, a perda das memórias de França, e a substituição do francês pelo árabe na sua mente.
Em paralelo, vincando o estatuto global de uma história particular, vemos como o pai, desajeitadamente, tenta "comprar" o filho com presentes e promessas, estratagemas para seduzir Fadi e, à distância, a mãe e os irmãos.
Mas, de forma contrastante, vemos como tudo passa igualmente pela necessidade contínua de autoafirmação do pai, pela sua incapacidade em reconhecer os erros, em pedir desculpa. E, de forma mais trágica e perturbante, percebemos como o rapto do filho, mais do que um desejo de desfrutar da sua companhia, passou essencialmente por ser uma arma de arremesso contra a sua mulher.
"Eu, Fadi - O irmão raptado"
ASA
144 páginas
22,90 euros