Descobrir Bruiser Wolf, Sofia Kourtesis, Ragana e voltar outra vez (voltar sempre) a Stravinski
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É tudo tão doce que aturde e pasma como uma canção incompatível de embalar. “Dope boy”, novo single de Bruiser Wolf, rapper de Detroit, 41 anos, fala de droga e tráfico na infância — “o meu primeiro brinquedo, não tive escolha, foi uma balança de precisão”, canta ele a injectar frugalidade na inclemência do mundo —, mas a sua voz, sincronicamente caricatural como um cartoon e meiga como o mais meloso interlúdio da soul, é tão peculiar no tom e dicção, tem um tal exagero emocional que se agarra como uma lapa sorridente às cavidades do coração.
Residente recente do hipocampo, mas peça crucial para a navegação feliz dos sistemas límbicos saudáveis, Sofia Kourtesis, 38 anos, sensação house do Peru, sediada em Berlim, tem um single que vicia: “Si te portas bonito”. É um mergulho imediato na melhor sacarina do Top 40, ou nas supremas Baleares: batida house sedosa, sexy, suavíssimos sintetizadores e a voz a revolutear pelo cúmulo do desejo acima: “Vas a querer hablarme / Vas a querer escucharme / Vas a querer tocarme / Vas a querer comerme”.
É tudo pelo jorro da dopamina, é essa a importância de ouvirmos música nova: é um banho de motivação molecular, ativa hemisférios inteiros no cérebro, regula, regenera, dá-nos novos neurónios. Assim: eis “Desolation’s flower”, fascinante novo álbum da dupla feminina de black metal Ragana. Ouça-se o single de sete minutos “Winter’s light part 2”: lamacento e fervente, cheio de solidão, de consolo e de peso, é enorme a sua recompensa catártica.
E pode a música nova ter 111 anos? É a palindrómica idade da “Sagração da primavera”, revolução orquestral com que Igor Stravinsky detonou os cérebros, como se os pipocasse, de Coco Chanel, Marcel Duchamp, Gertrude Stein, Giacamo Puccini e de todo o público parisiense presente na estreia de 1913. A sua sedição é eterna. Ouçam-se os primeiros sete segundos de “Augurs of spring”: inventou-se ali o heavy metal! Estão lá, e para sempre, as melhores dissonâncias, as melhores politonalidades e polirrítmos possíveis, as assimetrias supremas, o melhor futuro que alguém já foi capaz de imaginar.
“Dope boy”, Bruiser Wolf
“Si te portas bonito”, Sofia Kourtesis
“Winter’s light part 2”, Ragana
“Augurs of spring”, Igor Stravinsky