
Autor de "Transumância" convoca recordações dos anos vividos em Rossas, no concelho de Vieira do Minho
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Francisco Duarte Mangas revisita as paisagens da infância, no coração do Minho, na sua nova incursão poética, "As coisas comuns", numa edição da Modo de Ler, dirigida por José da Cruz Santos.
É no princípio de tudo, na matéria primacial de que somos feitos, que Francisco Duarte Mangas situa o seu regresso à poesia, após longo hiato de publicação (saiu entretanto um novo livro, "Devocionário", com a chancela da Húmus). Fá-lo com um livro cujo despojamento, longe de excluir o seu significado, é fonte de alimentação, mas também de criação.
Desafiado por José da Cruz Santos, "eterno editor de poesia", como o classifica o autor de "Geografia do medo", Mangas enceta em "As coisas comuns" uma aproximação feliz aos tempos e aos lugares que compuseram a sua infância, nas décadas de 1960 e 1970.
Através dos seus versos sempre límpidos, somos transportados sem remissão para o coração do Minho - o autor é natural de Rossas, no concelho de Vieira do Minho -, território (quase) intocado onde a comunhão dos homens com a natureza ainda ditava leis, pelo menos nos anos inaugurais da sua existência.
São memórias prenhes, nas quais a felicidade repousa, indiferente a tudo, e convoca os cada vez mais distantes campos, mas sobretudo a vida que neles pulsa, sejam "libelinhas de asa azul", "água fria água limpa / a brunir nos seixos" ou "os carneirinhos do salgueiro / em diálogo inaudito ao sol".
Lugar de assombro por excelência, a poesia é também, para o autor de "As coisas comuns", matéria privilegiada para a evocação. Antes de mais, daquele que, apesar de já terem partido, continua a conservar devotamente no seu íntimo: "Trago os meus mortos no coração / quando os nomeio / ele iluminam-se / assobiam pelos cães / chamam por mim da soleira da porta / da velha casa como se estivesse / nos confins da infância / e sorriem satisfeitos / por eu os libertar breve momento / do tédio da eternidade".
Se os dias que o poeta traz agora de volta à vida se assemelhavam todos uns aos outros, como uma cascata de horas sem fim, alguns acontecimentos em particular perduraram nos confins desses tempos, distinguindo-se de todos os outros pela sua singularidade.
É o caso da primeira manifestação que teve lugar na aldeia de Rossas, poucos dias após a embriaguez coletiva do 25 de Abril, quando "a liberdade livre numa remota aldeia do Minho" finalmente se fez sentir" e fez estilhaçar todos os medos até aí aprisionados.
