A peça "Romance da Última cruzada" oferece um olhar diferente sob a forma como se contam experiências de guerra. O caráter misterioso e a necessidade de desvendar pistas sobre a história apoiam o enredo. Em cena até dia 20 de novembro, no Armazém 22, em Vila Nova de Gaia. A 9 de dezembro muda-se para a Casa da Cultura, em Setúbal.
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Uma fotografia a preto e branco de um soldado caído, apanhado num embuste, que agarra firmemente a sua arma, deita o seu olhar assustado sobre o seu pelotão. O inimigo apanhou-o de surpresa, deixando-o indefeso. O pelotão, incapaz de agir, está parado entre a possibilidade de o poder salvar ou não. A imagem significa o congelar desse momento que serve de base para toda a peça "Romance da Última Cruzada".
À fotografia apresentada ao público juntam-se três personagens. Dois intermediários que narram e encarnam diferentes personagens do pelotão e uma agente visual que vai moldando a perceção do público desenhando momentos descritos pelos personagens anteriores. O momento apresentado na foto "vai sendo analisado, camada a camada, e o público vai recolhendo as pistas", disse Ana Vitorino, protagonista da trama. A ligação entre a fotografia e o público vai-se estreitando.
A mais recente criação da companhia Visões Úteis partiu de uma ideia que já ganha vida nas mentes dos diretores artísticos Ana Vitorino e Carlos Costa há algum tempo. Aos atores e encenadores junta-se Inês de Carvalho em palco, uma interveniente mais subjetiva que desenha o que lhe contam. Sobre o contexto "biografia", palavra-chave para as encenações deste ano dos dois atores, o espetáculo pretende dissecar um instante e como esse clique fotográfico pode ser detalhado.
A narrativa da peça surge a partir de "um fascínio continuado com o modo como as pessoas representam as experiências de guerra", explicou Carlos Costa. Os relatos do major britânico Vivian Gilbert que lutou na primeira guerra mundial, descritos no livro homónimo do espetáculo, foram o ponto de partida no processo de desenvolvimento do argumento. A forma como o antigo soldado falava de si mesmo despertou o interesse nos relatos vividos em guerras de épocas diferentes. A concretização do texto consistiu em pesquisas em arquivos, no Manual de Recrutamento do Estado Islâmico, histórias de pessoas que participaram na primeira e segunda guerras mundiais e na Guerra colonial, assim como em romances medievais de cavalaria e publicações no Facebook de jovens que se juntam ao Daesh.
Durante cerca de setenta minutos, é dado ênfase ao que uma história pode causar em quem a assiste, numa guerra não física, mas intelectual. "Uma imagem sobrepõe-se ao conceito abstrato de guerra gerado por números, factos e dados que nos apresentam", salientou Ana Vitorino. O propósito é "apelar a algo mais humano dentro de nós", explicou a atriz.
No palco, vários são os objetos que ajudarão nesta "busca de pistas". Uma mala com documentos de arquivo, um rádio de bobines que passa música e um cavalete estão entre os meios para a recolha de informação. O verdadeiro papel da assistência confunde-se com a do pelotão. Poderá a assistência intervir?
O espetáculo "Romance da última cruzada" está em cena no Armazém 22, em Vila Nova de Gaia, até dia 20 de novembro e segue para a Casa da Cultura de Setúbal, no dia 9 de dezembro.