Atriz Jennifer Hudson foi escolhida pela compositora para protagonizar "Respect". Filme chega às salas portuguesas três anos depois da morte da diva.
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O cinema mantém viva a tendência recente para a realização de filmes biográficos sobre figuras emblemáticas do universo musical. Há títulos frescos, como "Rocketman" (2019), sobre Elton John, ou "Bohemian Rhapsody" (2018), sobre o mítico líder dos Queen, Freddie Mercury.
Mesmo em Portugal, onde os meios de produção escasseiam, "Variações" (2019), sobre António Variações, ultrapassou com inteligência as insuficiências e conseguiu seduzir o público. E "Bem bom" (2021), sobre as Doce, primeira girl band portuguesa, apesar da pobreza musical, tem também os seus méritos e continua a somar espectadores. É, aliás, o filme português mais visto deste ano.
Neste contexto, não podia faltar um filme sobre a cantora e compositora norte-americana Aretha Franklin, que morreu no verão de há três anos. Além da espantosa dimensão musical que era reconhecida à rainha do soul, sabia-se que a sua vida - extraordinária mas dramática - daria previsivelmente um filme. E foi ainda em vida - a diva morreu com 76 anos, a 16 de agosto de 2018, despedindo-se do Mundo dez dias depois, numa cerimónia à qual chegou num caixão dourado, vestida de vermelho e de perna cruzada - que se falou dessa possibilidade.
De tal forma que foi a própria Aretha Franklin quem elegeu a atriz Jennifer Hudson para desempenhar o seu papel e para cantar alguns dos seus temas lendários.
Jennifer Hudson, produto do concurso de talentos "American idol", não poderia ter tido melhor início de carreira no cinema; foi com o filme "Dreamgirls" - vagamente inspirado no percurso das Supremes - que lhe valeu o Óscar de Melhor Atriz Secundária, projetando-a para uma carreira que envolve cinema, teatro e música. Neste filme, continua a ser amplamente elogiada pela crítica.
os demónios da diva
"Respect", hino que dá nome ao filme de Liesl Tommy, começa com Aretha Franklin ainda criança e já venerada pela sua voz, que fazia as delícias do pai, um pastor de uma igreja Baptista. O filme vai acompanhando o seu crescimento e a sua ascensão ao estrelato. Ao contrário do que possa parecer, a fama não foi fácil nem imediata, uma vez que a artista viveu sob o poder de um pai demasiado presente e austero e de um marido e empresário demasiado dominador e violento, subjugação a que se juntaram depressões, dependências e fantasmas.
É este bloco da sua vida pessoal - incluindo ainda a sua ligação ao ativista Martin Luther King e a defesa de ações menos pacíficas na luta contra a segregação racial -, que arrasta o filme para uma duração de perto de duas horas e meia, o que nunca é bom.
Mas "Respect" está recheado de momentos musicais de excelência. A dada altura, é notável o encontro que Aretha Franklin - 18 Grammys ao longo de uma carreira que durou quase 60 anos - e um novo e decisivo empresário têm com a banda de Alabama que iria gravar o seu próximo álbum. Chegada ao estúdio, apercebe-se que a banda é exclusivamente composta por músicos brancos. Mas, aos poucos, descobre que a música não tem cor nem raça. E são únicos esses momentos em que, instrumento a instrumento, vamos também percebendo como se constrói uma canção e como o instinto de um génio pode transformar sons individuais numa música intemporal. Uma verdadeira anatomia de uma canção.
Além das gravações de "Amazing Grace" [ler caixa], o filme vale pelo genérico final.
Um conselho: não saia da sala quando pensar que o filme acabou.