“As Ilhas Encantadas”, de Carlos Vilardebó, passa hoje e amanhã em Lyon
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Já está em marcha a 15ª edição do Festival Lumière, que se realiza todos os anos por esta altura em Lyon, cidade natal dos irmãos Auguste e Louis Lumière, os inventores do cinema como ainda o conhecemos hoje, e que, além de múltiplas salas ao longo de toda a cidade, tem o seu quartel-general no Instituto Lumière, situado na casa e nos jardins onde a família Lumière habitava e tinha a sua fábrica, hoje transformada em sala de cinema.
O festival, dedicado sobretudo ao património, mas com um olhar também sobre o cinema contemporâneo, recebe todos os anos mais de uma centena de cópias restauradas que chegam de cinematecas e laboratórios de todo o mundo. Um mercado que se tem expandido enormemente nos últimos anos, e tal forma que o festival alberga ainda um Mercado do Filme Clássico, onde Portugal foi o país convidado, em 2020.
Ora, depois da ausência de filmes nacionais nos dois últimos anos, a cinematografia portuguesa está de volta ao Festival Lumière com o restauro de uma verdadeira preciosidade, “As Ilhas Encantadas”. Trata-se da única longa-metragem de Carlos Vilardebó (1926-2019), nascido em Lisboa mas mudando-se muito cedo com a família em França, onde estudou cinema e dirigiu dezenas de curtas-metragens, documentários e filmes institucionais.
Nunca tendo conseguido levar por diante a rodagem de uma longa-metragem com Romy Schneider, aceitaria o convite de António da Cunha Telles, o “pai” do Cinema Novo português, para realizar este filme, rodado em Porto Santo e adaptando uma obra de Herman Melville. O filme será no entanto para sempre recordado como uma rara aparição de Amália Rodrigues num filme em que não interpreta uma fadista.
A história passa-se em finais do século XIX, quando um barco da marinha portuguesa passa ao lado de uma ilha considerada deserta e interceta um pedido de socorro, descobrindo na ilha uma mulher, Hunila, que ali vive sozinha há vários anos e vai contar-nos a sua história, nomeadamente o seu amor por um marinheiro francês.
Interpretado ainda pelos atores franceses Pierre Clementi e Pierre Vaneck, “As Ilhas Encantadas”, além da sua beleza visual, agora restaurada, e da magnífica história que nos conta, confirma a espantosa fotogenia de Amália Rodrigues. Além de uma das grandes divas da canção mundial, Amália mantinha uma fortíssima relação com a câmara de filmar, já vista em clássicos do cinema português como “Capas Negras”, “Fado, História d’uma Cantadeira” ou “Sangue Toureiro”, aqui sublimada pelo trabalho na imagem do francês Jean Rabier, assistido por Augusto Cabrita e tendo como operadores futuros grandes mestres portugueses como Elso Roque e Augusto Cabrita.
O restauro enquadra-se no projeto FILMar, financiado pela Noruega, pela Islândia e por Lichtenstein, no quadro do programa EFAGrants 2020-2024, e que, sob coordenação da Cinemateca Portuguesa, desde 2020 e até abril do próximo ano vai restaurar e digitalizar 10.000 minutos, equivalente a cerca de 180 títulos de produção nacional, com ligação ao mar.
Num quadro mais vasto, a Cinemateca tem em curso, até ao ano de 2025, um plano de digitalização do cinema português, que englobará, após a sua conclusão, mais de um milhar de títulos de produção nacional, de longa e curta metragem.
“As Ilhas Encantadas”, com exibições previstas para hoje e amanhã, enquadra-se na seção Tesouros e Curiosidades do Festival Lumière, que teve início no último sábado e vai terminar este domingo em Lyon.
Wim Wenders é o convidado de honra deste ano, e irá por isso, como acontece sempre no último dia, rodar um filme de um minuto exatamente onde os Lumière fizeram o primeiro filme, “A Saída do Pessoal Operário”. Aliás, a porta do Instituto Lumière onde se encontra um painel comemorativo e dá para as antigas instalações da fábrica situa-se na agora chamada Rua do Primeiro Filme.
Além de Wenders, o festival convidou a passar por Lyon gente como Alexander Payne, Wes Anderson, Marisa Paredes, Taylor Hackford, Alfonso Cuaron, Jean-Jacques Annaud ou Terry Gilliam. Organizando múltiplas iniciativas, como exposições de fotografias, sessões de assinatura de livros, livraria e uma loja de DVD, o festival apresenta seis filmes do mestre japonês Yasujiro Ozu e dois cine-concertos que prometem ser inesquecíveis, com a orquestra de Lyoon a acompanhar ao vivo, esta quarta-feira, no Auditório da cidade, o clássico do expressionismo alemão “O Gabinete do Dr. Caligari”, antes da projeção, acompanhado ao vivo por órgão, de um dos filmes mudos de Alfred Hitchcock, “The Manxman”.