Ator italiano interpreta o grande mestre da pintura em “A Sombra de Caravaggio”, já nas salas portuguesas. Em "Corrida para a glória", com estreia marcada para dia 16, Scamarcio assina o argumento e a produção.
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Em Lisboa para a recente Festa do Cinema Itlaiano, Riccardo Scamarcio esteve à conversa com o JN sobre “A Sombra de Caravaggio”, onde o ator interpreta o papel do famoso pintor italiano. Já com talento reconhecido, era também um rebelde, não ligando às regras estritas da Igreja Católica na representação de episódios bíblicos, utilizando prostitutas e ladrões como modelos. O Vaticano decide então nomear alguém para investigar a vida privada do pintor. O filme é realizado por Michele Placido, que também teve uma enorme carreira como ator.
Já tinha estado alguma vez em Lisboa?
É a minha primeira vez. É uma cidade muito bonita. Tenho muitos amigos que me estão sempre a falar deste lugar. E tenho outros amigos que decidiram vir viver para cá, como o Michael Fassbender e a Alicia Vikander. E sei que o Paulo Branco organiza aqui um grande festival.
O que fez para convencer o Michele Placido de que era o ator ideal para interpretar Caravaggio?
Nós já tínhamos feito dois filmes juntos, ele como realizador e eu como ator. E tínhamos feito outros filmes só como atores. Conhecemo-nos muito bem e já tínhamos falado muito sobre Caravaggio. Há muito tempo que ele queria fazer o filme. A ideia dele era fazer uma ponte com este movimento atual de “consciência cultural”.
Em que aspeto ele quis fazer esse paralelismo?
Houve muitos artistas que foram atacados, e depois vimos a saber que não eram culpados de nada. Mas só vários anos depois e entretanto as suas vidas e as suas carreiras foram imensamente prejudicadas. Temos tantos exemplos, Woody Allen, Kevin Spacey, Johnny Depp. Pessoas incríveis que fizeram filmes que adoramos, e que foram destruídas.
Como vimos no filme que aconteceu a Caravaggio…
Eu não fazia ideia que a obra dele tinha sido censurada até à década de 1930. As pinturas dele tinham sido escondidas. Caravaggio tinha desaparecido durante 250 anos, é inacreditável. Só muito mais tarde é que foram identificadas como sendo de Caravaggio. Caravaggio tinha sido completamente apagado. Quisemos mostrar como por vezes o poder do dinheiro pode ser tão cruel. Mesmo face a um talento tão extraordinário.
A obra de Caravaggio está bem representada, no currículo escolar, em Itália?
Hoje Caravaggio é considerado o maior, ou um dos maiores. A forma como utilizava a luz, num quadro, era incrível. Podemos ver uma janela num quadro, mas a luz vem de uma janela que não vamos. Ele utilizava a luz e o espaço numa tela de uma maneira cinematográfica. Mesmo para os realizadores de cinema, Caravaggio é muito importante.
No filme não o vemos muito a pintar, mas mais a colocar a pessoas, a mobília e os utensílios. A preparar a cena, como no teatro ou no cinema. O que foi mais difícil para si, a dimensão psicológica do papel ou o lado mais físico da rodagem?
Para o lado psicológico, considerei-o como se fosse Elvis Presley. Ele tinha aquele lado de swing, na forma como mexia o corpo. Mas do ponto de vista físico foi uma rodagem muito difícil para mim. Há muitas cenas de duelos com espada, outras em que tenho de correr e saltar de um lado para o outro. Os fatos eram muito pesados. O chão estava cheio de sujidade. Foi duro, muito tenso. Quando acabou, estava a precisar de férias. Tinham sido dez semanas de rodagem muito intensas.
Quando filmou “A Melhor Juventude”, pensou que podia ser o início de uma nova vaga no cinema italiano?
Tinha um pequeno papel, foi o meu primeiro filme, mas foi uma experiência extraordinária, eu tinha 22 anos. Não posso esquecer a gentileza dos meus colegas durante as filmagens. Foi com eles e com o realizador, o Marco Tullio Giordana, que descobri o cinema. Se o cinema era aquilo se era assim que se fazia um filme, então era o paraíso.
Onde é que filmaram?
Estávamos a filmar numa villa na Toscânia, havia uma atmosfera familiar. Ffazíamos baarbeques, púnhamos música, dançávamos, jogávamos futebol. Tentei sempre fazer filmes onde houvesse esse espírito de família. Mas estou a falar de filmes, não de outras coisas, como séries. Veja o John Cassavetes. Era um génio, mas fazia filmes com os amigos dele e com a mulher. É assim que vejo o cinema, um trabalho mais artesanal.
O Riccardo interpretou outras figuras reais, como o Ninetto Davoli, no “Pasolini” de Abel Ferrara…
O Abel é um grande amigo meu e um magnífico realizador. É um génio, completamente livre. Quando estamos a filmar, por vezes pode ser um autêntico caos, completamente fora de controlo. Mas, no meio dessa confusão, há uma ideia artística. Gostei imenso de trabalhar com ele.
O cinema italiano vive um momento festivo, considerando o que se passa na sociedade italiana?
O cinema italiano ainda está vivo. E estará sempre. Estou certo disso. O cinema, em geral. Ninguém pode parar o cinema. O cinema não quer saber de governos. Mesmo sem dinheiro, com pouco pode fazer-se sempre alguma coisa. O que o cinema precisa é de ideias e amor. O mais importante é o amor pelo cinema. Mas estamos a viver um momento muito perigoso. O nível de humanismo é muito baixo. Por isso, penso que há boas razões para usar o cinema como ferramenta para refrescar e reanimar um pouco a humanidade.
Escreveu e produziu "Corrida para a Glória", um filme sobre o campeonato mundial de ralis em 1983 que vai estrear nas próximas semanas em Portugal. O que o levou a envolver-se neste projeto?
É a história de um perdedor, de alguém à margem. Com menos dinheiro, com menos tecnologia, tentou-se ultrapassar um desafio que era impossível, conquistar o Campeonato do Mundo de Ralis de 1983. E é uma declaração sobre o poder da amizade e da família, valores pelos quais sou obcecado.
O que nos une, por exemplo?
Nós, italianos e portugueses, temos os mesmos valores. Sabemos que, com os nossos amigos, juntos, podemos construir algo de importante. E talvez consigamos vencer contra uma tecnocracia que vai contra os nossos valores. Como pode ver, tenho a revolução, mas uma boa revolução, no meu coração
E já tem outros projetos, como argumentista e produtor?
Como argumentista ainda estou a escrever um projeto, sobre um gangster da Apúlia, a região onde nasci, que encontra uma psicóloga, com quem vê uma possibilidade de escapar à sua vida criminal. São sempre estes temas que me interessam. Também fiz um filme com o Johnny Depp como realizador e o Al Pacino, onde interpreto a figura de Modiglani. Outro pintor, outro louco, outro grande artista.