Músico apresenta a sua “Reunião de condomínio”, disco nascido da parceria com Zé Fialho Gouveia, no Novo Ático do Coliseu do Porto este domingo. A seguir há espetáculos em Benavente e Évora.
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Esta não é uma “Reunião de condomínio” qualquer: no novo disco de Rogério Charraz e Zé Fialho Gouveia, não há quezílias entre vizinhos ou orçamentos difíceis por aprovar. Mas há pessoas, vivências do quotidiano num prédio imaginado pela dupla, janelas para espreitar, histórias para contar.
O novo “Reunião de condomínio” é o mote do concerto de Charraz e Gouveia marcado para este domingo no Coliseu do Porto, no âmbito do Novo Ático, pelas 18 horas. O álbum-livro devolve-nos a colaboração entre os dois artistas, Charraz na música e Zé Fialho nas letras – com ilustrações de Samuel Úria para abrilhantar.
Depois do sucesso de “Coreto”, volta assim a dar frutos uma parceria que nasceu de um encontro casual, seguido de uma amizade. “Nós conhecemos-mos há uns anos em casa de uns amigos comuns e houve uma empatia imediata. Logo eu perguntei-lhe [ao Zé Fialho] se ele não teria algumas letras perdidas na gaveta; e ele mandou-me algumas e eu musiquei cinco delas, do ‘Não Tenhas Medo Escuro’”, explica Rogério Charraz ao JN. “A partir dai temos trabalhado sempre, vamos no segundo disco que fazemos integralmente e é uma parceria que veio para ficar”, garante.
O segredo da dupla é, para o músico, fácil de explicar: “Além de termos a mesma idade, somos muito parecidos em muitas coisas. Na maneira de pensar, nos gostos musicais e literários, na forma como olhamos para a sociedade”, conta. “Existe uma grande empatia e identificamos-mos muito com as ideias um do outro e isso torna o trabalho muito intuitivo. Aquilo que um faz, o outro completa”, diz.
Começa tudo nas letras
Na composição, na grande maioria dos temas tudo começa com a letra de Gouveia, depois musicada por Charraz. Mas na verdade, nos dois últimos discos, este e o anterior "Coreto”, a narrativa partiu de um conceito. “Primeiro criámos o conceito, imaginámos as histórias, as personagens, o que queríamos falar. Depois Zé fez as letras, e aí a partir daí, eu as canções”.
Nesta “Reunião decCondomínio” o conceito é mesmo levar-nos a entrar num qualquer prédio. “A ideia é essa: imaginar um prédio numa zona urbana, onde há pessoas que vivem no mesmo espaço, mas não se conhecem umas às outras e na verdade têm vidas completamente diferentes. Partiu daí, de imaginarmos esse prédio e fazermos dele o objeto de um disco, onde em cada canção espreitamos as janelas de cada uma das casas e contamos a vida das pessoas, focando em alguns dos aspetos do que são as nossas cidades”, adianta Charraz.
Ao falar destas vidas, dentro delas, surgem temas como o assédio, a imigração, os professores. Quisemos saber se Charraz e Gouveia sentem que a música também deve dar contributo para trazer luz a alguns destes assuntos, ou se eles surgem dentro do desejo de contar histórias.
Para o músico, é uma mistura. “Queremos que as pessoas se identifiquem com as histórias que nós contamos, que as façam pensar na sua vida, em pessoas que conhecem, na sua família, ou em coisas que leem nos jornais”, começa por dizer.
"Mas também acredito que nós músicos temos um privilégio, mas ao mesmo tempo uma responsabilidade. Porque através daquilo que fazemos, temos acesso a milhares de pessoas, quer através dos discos, como dos concertos. E podemos usar esse tempo que temos, ao mesmo tempo que divertimos as pessoas e provocamos emoções, para despertar de alguma maneira a sua consciência para determinado tipo de assuntos, que lhes dizem respeito a elas e a nós também, e à nossa construção enquanto sociedade”.
Quim Barreiros e outros convidados
Em “Reunião de condomínio”, encontram-se parcerias com convidados especiais, talvez o mais inesperado Quim Barreiros em “Vitorino”, num registo bem diferente daquele a que o público está habituado. Rogério Charraz enquadra esta e outras colaborações. “Elas surgiram ao olhar para cada um desses personagens do disco, na verdade: no caso da Luciana Balby o tema fala de uma brasileira, de um casal brasileiro que vem viver para Portugal, e, portanto, quisemos ter uma mulher cantora que fosse brasileira, mas que vivesse em Portugal e que desse também corpo e voz a esta personagem. E ficámos absolutamente deslumbrados com a voz dela e achámos que fazia todo o sentido”, conta.
No caso da Catarina Munhá, diz, “ela é uma jovem, talentosa cantautora que seguimos há algum tempo e gostamos muito da música dela; e também achámos que tanto a voz como as características encaixavam nesta personagem, que é uma jovem advogada – por acaso, é Catarina é médica, mas encaixava no que queríamos contar”.
No caso do Quim Barreiros, “eu acho que foi um pouco este personagem, o Vitorino, ele é ao mesmo tempo dramático e cómico – porque é muito negativo, tem uma hipocondria que o faz queixar-se muito e achar que qualquer mazelazinha é uma coisa grave. E isso acaba por ser dramático, mas também cómico e foi o que nos fez pensar no Quim, porque a música dele também tem esse lado. Mas ao mesmo tempo foi este desafio, que nos propusemos a nós próprios, e que acabámos por passar para ele também, que era ele poder cantar num registo diferente daquilo a que as pessoas estão habituadas e ser visto e ouvido de uma maneira diferente”, acrescenta o músico.
Os espetáculos são o climax
Chegada a altura de apresentar o novo trabalho ao vivo, ao JN Rogério Charraz confessa ser esta uma das partes que mais lhe dá prazer em todo o processo. “Os espetáculos ao vivo são o culminar de tudo. Sem os espetáculos ao vivo, não fazia sentido fazer as músicas e gravar discos, não é? O clímax disso tudo é quando chegamos à frente das pessoas”, frisa.
Em palco, a narrativa e o conceito do álbum são respeitados e recriados. “Nós criámos aqui uma narrativa, aproveitando estas histórias. Este disco é um pouco diferente do anterior porque o “Correto” tinha uma narrativa em que havia um seguimento, e cada canção era uma espécie de capítulo da história; e aqui é diferente, são várias histórias, separadas, mas que se cruzam”, diz Charraz.
Na prática, Gouveia está também em palco a narrar a história, seguindo uma linha que começa com um pequeno mistério logo no início do concerto e que só se resolve no final. Pelo caminho, ele vai cruzando as várias personagens do prédio e apresentando-as ao público “e fazendo também uso do ponto de vista cénico com as ilustrações do Samuel Úria que estão no disco e que valorizam muito o espetáculo”, diz o músico. “Portanto, criámos aqui uma história, que vai mantendo as pessoas agarradas até o final para resolverem o pequeno mistério que lhes lançámos”, conclui.
Mais concertos no horizonte
Quanto ao futuro, e sobre se haverá uma fase 3 deste conceito, Rogério Charraz garante que “haverá uma continuidade, certamente”, não sendo certos os moldes. Para já, “estamos na parte da apresentação deste disco e temos ainda muitas coisas para fazer com ele”.
Depois do Coliseu do Porto este domingo, a “Reunião de condomínio” passa a 4 de novembro pelo Centro Cultural Samora Correia, em Benavente, e a 17 pelo Armazém 8, em Évora.