Nova série de Bruno Nogueira desafia os limites do humor, num exercício de reflexão.
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Estreada no mês passado na RTP1 e RTP Play, "Ruído", a nova obra-prima da comédia portuguesa, explora os limites da censura e do poder libertador do humor, com ousadia, relevância e inteligência. Com um elenco de luxo, que tem Bruno Nogueira, Albano Jerónimo, Gabriela Barros e Rita Cabaço à cabeça, a série realizada por Ricardo Freitas e Tiago Guedes aposta num cenário distópico em que rir é crime, partindo de uma premissa brilhante: o humor como forma de resistência num mundo que o proíbe.
Numa época em que tanto se debate sobre até onde pode ir o humor e a piada é alvo de objeto judicial, a ideia de criminalizar a gargalhada é o ponto forte de "Ruído" e de uma equipa que habituou o público à inovação, mesmo sendo o palco criativo em Portugal um piso bamboleante e com sustentação ameaçada. A proibição do riso como metáfora da censura e o talento dos protagonistas são uma conjugação brilhante que resulta em sketches que deixam o riso sair sem algemas - em casa e no estúdio, onde foram captadas reações ao vivo de plateias reais, depois interrogadas por “crime de riso”, reforçando a autenticidade do projeto.
Os espaços entre a gargalhada e o medo, o palco e a cela, o constrangimento e a comédia dão densidade e inteligência à série. Os momentos mais bem conseguidos são os inesperados e incómodos, e até os absurdos, como a cena com Toy a cozinhar nu ou os interrogatórios surreais, funcionam. Mas, entre a sátira e o dramatismo, "Ruído" nem sempre acerta no tom. Não é uma linha reta lá em cima, tem altos e baixos. Naturalmente, nem todos os sketches se elevam a um patamar de excelência e, por vezes, o formato híbrido - momentos de humor intercalados com interrogatórios e cenas documentais - quebra o ritmo e falha na execução estrutural.

