Documentário de Manuel Mozos, disponível na RTP Play, faz cartografia de edifícios abandonados no país.
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Estímulo à reflexão e imaginação, o documentário de Manuel Mozos regista lugares abandonados, desativados, obsoletos e esquecidos que povoam ainda a paisagem portuguesa. Não é uma viagem de nostalgia, nem uma crónica do declínio – há a secura do etnógrafo no levantamento e identificação, mas também a visão do cineasta, ambígua, poética, a construir camadas que libertem o espectador de uma interpretação unívoca. É cinema a partir de fragmentos, colagens, indícios. E é um país visto dos seus lugares interrompidos e suspensos.
O catálogo é variado e contempla as cidades e o interior. Abre simbolicamente com a implosão das torres de Tróia. E demonstra, na primeira sequência, que é muito mais do que uma simples etiquetagem, introduzindo o romantismo macabro da relação entre Henriqueta e Etelvina, figuras do Porto oitocentista.
Depois, sucedem-se carcaças: do Parque Mayer ao restaurante panorâmico de Monsanto, da barragem do Picote à estação de comboios de Barca d’Alva. Tudo sítios que foram ou que eram para ter sido e que, por alguma razão – nada interessam as explicações em “Ruínas” – deixaram de ser, ficando no limbo de uma existência sem função nem destino. Estranhos artefactos que se vão enrodilhando na paisagem.
Polvilhado com textos que se relacionam de forma mais ou menos ínvia com as imagens, de poemas a relatórios médicos, editais ou receitas do clube de sibaritas “Os Makavenkos”, fundado em 1884, o filme de Mozos preenche a desolação dos espaços com ecos e vozes fantasmáticas, como na curiosa correspondência que é lida diante das imagens da estalagem São José, em Porto das Barcas, atualmente inativa, em que alguém pede preços e condições. A resposta será dada mais à frente, pelo que se imagina ser o proprietário, mas agora sobre as imagens de outra estalagem abandonada, a Gado Bravo, no Ribatejo. Um jogo de leituras sobre cenários que contam também uma certa história de Portugal.