"A Flor do Buriti", produzido no interior do Brasil com a assinatura de João Salaviza e Renée Nader Messora, maravilhou Cannes.
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Depois de "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos", estreado mundialmente em Cannes há já cinco anos, o luso-brasileiro João Salaviza e a brasileira Renée Nader Messora, juntos no cinema e na vida, voltam a trazer para a Croisette alguns representantes do povo indígena Krahô ao Festival de Cannes, repetindo a presença em Un Certain Regard, com "A Flor do Buriti".
Através do seu olhar de criança, Patpro percorre três períodos da história do seu povo indígena, no coração da floresta brasileira. Incansavelmente perseguidos, mas guiados por ritos ancestrais, pelo amor pela natureza e pela luta pela preservação da liberdade, os Krahô não param de inventar novas formas de resistência, acompanhados agora por estes dois jovens cineastas que com eles Vêm trabalhando e vivendo, numa perfeita opção de vida, confirmada ao JN pelos próprios.
Salaviza, que venceu a Palma de Ouro da curta-metragem em 2009, com "Arena", anda já perto da competição pelo prémio mais importante de Cannes, mas a sua presença no festival, mesmo que de novo nesta seção "de compensação", é já uma vitória, para o cinema que vai fazendo com Messora mas sobretudo para os Krahô, cuja luta pela preservação das suas terras continua, usando como podem as novas tecnologias, como Salaviza nos confirmou: "há tempos, foi com a ajuda de um drone emprestado por outra comunidade que detetaram a presença de um grupo que andava a alterar a marcalão das suas terras, de forma a conquistar mais terreno para as suas atividades de exploração".
No entanto, Salaviza e Messora não se ficam pelo militantismo. Muito pelo contrário, voltando a filmar em película de 16mm, respeitam o cinema, oferecendo-nos uma obra de beleza visual de cortar o fôlego e fazendo justiça à poética e à imagética local. O filme já foi entretanto vendido para vários mercados, entre os quais o português, embora ainda não esteja confirmada nenhuma data de estreia.
O cinema português não é só Oliveira e Costa, de que foram exibidos em Cannes "respetivamente "Vale Abraão", no trigésimo aniversário da sua estreia na Quinzena, com a presença em palco da atriz Leonor Silveira e do produtor Paulo Branco, e "As Filhas do Fogo", filme-teste que antecipa a próxima longa-metragem do cineasta que tem vindo a trabalhar regularmente com Cabo Verde.
Assim, o presente e o futuro do cinema português continuam assegurados, como se pôde ver já com a estreia, aqui em Cannes, da longa-metragem "Légua", de Filipa Reis e João Miller Guerra, e da curta-metragem "Corpos Cintilantes", de Inês Teixeira. Este último, em competição na Semana da Crítica, é um pequeno ensaio sobre a relação de uma jovem estudante com um colega que a convida para passar um fim-de-semana com a sua família, em Leiria, descobrindo quais eram as suas intenções.
Já com alguma veterania, e trabalhando sobretudo no cinema documental, Filipa Reis e João Miller Guerra aventuram-se na ficção, com "Légua", cuja primeira apresentação pública teve lugar na Quinzena dos Cineastas. Numa velha mansão no norte de Portugal, abandonada pelos seus herdeiros, vive uma velha governanta intolerante, assistida pela mulher de um operário que decidiu ir trabalhar para França e mãe de uma jovem adolescente. Carla Maciel, Fátima Soares e Vitória Nogueira da Silva discutem a permanência ou a alteração de uma velha ordem social e de um estilo de vida que o mundo exterior começa a fazer perigar.